Há exatos três anos, na Campus Party 2012, assisti uma conferência de Neil Harbisson, considerado o primeiro cyborg reconhecido oficialmente por um governo. Com uma câmera implantada em sua cabeça e computadores fazendo a conversão de cores em sons, Harbisson, que nasceu com uma doença que só lhe permitia ver tonalidades de cinza, pode ouvir as cores por meio de um processo de interpretação do colorido dos objetos através das frequência sonoras recebidas de um computador implantado em seu corpo. Sua genial conferência lotou o palco principal do evento.
Todos queriam conhecer esse incrível mecanismo. Lá soubemos um pouco mais do trabalho que ele vem desenvolvendo na Fundação Cyborg, criada justamente para ajudar “as pessoas a serem cyborgs”.
Desde 1997, o Centro de Tecnologia da Informação Renato Ascher, do Ministério da Ciência e Tecnologia, em Campinas, pesquisa sobre a impressão de tecido humano a partir de estudo em parceria com o cientista russo Vladimir Mironov. Para a criação dos biomodelos necessários, o CTI desenvolveu um software, o InVesalius, licenciado de forma livre em GPL-2, hospedado e disponível para toda a comunidade no Portal do Software Público brasileiro.
No ano passado, o filósofo Nick Bostrom publicou o livro Superintelligence: Paths, Dangers, Strategies (Superinteligência: caminhos, perigos e estratégias), onde apresenta resultados de pesquisa e de prospecções que indicam que os robôs vão ter, em breve, uma inteligência superior à dos humanos. Já havíamos ouvido coisas similares pelo cientista austríaco Hans Moravec, também especialista em Inteligência Artificial (IA) e robótica, em artigo na revista Wired, nos idos dos anos 90 do século passado.
Essas são apenas uma pequena mostra da grande revolução científica e tecnológica que estamos vivendo nos últimos 50 anos. São descobertas e inovações fruto do trabalho de milhares de pessoas, em diversas partes do mundo, sejam nas universidades, nos centros de pesquisas ou em espaços não acadêmicos formais, denominados de Hacker Labs ou Hacker Clubes.
Tem crescido, de forma bastante significativa, o movimento em torno da chamada ciência aberta e, associado a ela, outro grande debate em torno do acesso aberto aos dados das pesquisas de forma a garantir a ampla circulação das informações científicas. São movimentos que têm como base a ideia de que o compartilhamento de informações é benéfico para o avanço da sociedade.
Imerso neste universo, o nosso grupo de pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC www.gec.faced.ufba.br), da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), vem desenvolvendo pesquisas e intervenções no campo do ensino e da extensão universitária buscando compreender as possibilidades trazidas para a educação por essas tecnologias digitais em rede.
Estamos imbuídos em avançar nas pesquisas sobre os movimentos dos hackers, aquela turma que é assim denominada por ser apaixonada por programação de computadores. Pensar nos hackers, em nossa visão, é olhar para os movimentos em torno do software e do hardware livre e, mais do que tudo, e para ser mais preciso, é juntar tudo isso para pensar em aproximações entre educação, tecnologias e o que chamamos de “um jeito hacker de ser”, tanto para professores como alunos.
Queremos, aqui n’ARede Educa, trazer mensalmente reflexões em torno desses desafios. Queremos pensar, quem sabe, numa educação hacker, o que ela significa, como ela pode se constituir e que desafios teremos para implementar algo dessa natureza.
Não nos importaremos em caminhar na contramão daqueles que pensam em currículos únicos, bases curriculares nacionais, exames e sistemas de avaliação que tratem o diferente como o igual.
A tarefa não é fácil, pois todo o sistema está construído e consolidado em bases que pensam os processos de aprendizagem sempre centrados na premissa de que se aprende do simples para o complexo, do pequeno para o grande, do perto para o distante, como se isso fosse um dado posto e que não nos coubesse discutir.
Queremos, sim, discutir tudo isso.
Vamos por nesta roda professores, gestores e alunos, todos conectados em tempo integral, para pensarmos na possibilidade de transformar a escola em um rico espaço de produção de culturas e de conhecimentos, espaço rico para a vivência plena do universo de informação e comunicação contemporâneo. Tudo isso, com ênfase em processos colaborativos, centrados na generosidade, no ativismo, com intenso protagonismo dos estudantes.
Queremos – e você já está convidado a estar aqui conosco mensalmente – desenvolver uma ação hacker, de guerrilha mesmo, para pensar para muito além da escola instituída, viajando na possibilidade de trazer para nossas reflexões uma perspectiva plural que tanto nos agrada e, com isso, pensar em educações, a partir dos saberes e experiências de cada um, em cada uma de suas localidades.
O convite está feito. Vamos, juntos, pensar na educação com um jeito hacker de ser!
Nelson Pretto é professor Titular (e ativista) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Secretário Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC – Bahia). Membro da Academia de Ciência da Bahia. Foi diretor da Faculdade de Educação da UFBA (2000 a 2008).