Ele aceitou um grande desafio, em 2013, ao assumir, na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), um cargo incomum (talvez único) entre universidades públicas brasileiras: a pró-reitoria de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Suas obrigações vão de implantar infraestrutura de banda larga adequada onde ainda não havia sequer conexão, até arquitetar soluções tecnológicas educacionais e de gestão para um modelo de ensino inovador. Professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Raimundo José de Araujo Macêdo é diretor de Cooperação com Sociedades Científicas da Sociedade Brasileira de Computação e representante do Brasil no Latin-American Center for Informatics Studies e na International Federation for Information Processing. Nesta entrevista, conta como funciona uma instituição que nasceu com as TICs em seu DNA, mantém todos os serviços administrativos em nuvem e tem urgência de expandir as conexões banda larga para suportar as aplicações acadêmicas.
Por que a UFSB criou uma pró-reitoria de TICs?
Raimundo Macêdo – A universidade tem apenas quatro pró-reitorais, entre as quais a de TICs. Isso porque foi pensada com uma estrutura de gestão e administrativa muito leve e foco em tecnologia. A pró-reitoria tem algumas áreas: infraestrutura e telefonia, VoIP; área de sistemas, adaptação, gestão administrativa e, uma última, de multimídia e ambientes virtuais de aprendizagem. As tecnologias da informação e comunicação são também importantes pelo alcance territorial da universidade, que atende comunidades remotas, pequenos municípios do sul da Bahia. Assim, criamos uma rede de colégios universitários [conceito de Anísio Teixeira], de modo que o início da formação é feito nas comunidades, com ambientes virtuais de aprendizagem.
Foi uma experiência pioneira ou inspirada em outras iniciativas?
Macêdo – Nós fomos a primeira universidade a ter uma pró-reitoria de TICs. Depois disso, outras duas universidades federais criaram pró-reitorias de TICs baseadas no nosso modelo: a de Pernambuco e do Oeste da Bahia.
Como foi a criação da rede de colégios universitários?
Macêdo – As primeiras turmas começaram em setembro do ano passado, em oito colégios universitários, todos no interior do estado. O plano é chegar a cinquenta. Vamos expandir para 16 ainda em 2015 e nosso plano é, até 2020, ter toda essa rede funcionando, integrada.
Qual o papel da tecnologia na viabilização desse rede?
Macêdo – Nesses oito primeiros municípios não havia banda larga. Fizemos um planejamento para, com radiofrequência, conectar os colégios aos centros da universidade e conectar os centros por fibra óptica. Também garantimos que, para cada ligação, haja backup com satélite. Nos campi da universidade – são três, além de um escritório em Salvador – chega fibra óptica e radiofrequência. Fizemos redundância física. Nós contratamos enlaces com provedores locais, que já tinham trabalho com radiofrequência. E em cada colégio colocamos antena de satélite por meio de um acordo do governo do Estado da Bahia, que já tinha licitado pontos de satélite para escolas. Os três campi também estão ligados com fluxo direto para o Ponto de Troca de Tráfego (PTT) da RNP em Salvador.
Qual é a capacidade de conexão nos espaços da UFSB?
Macêdo – Temos 1 Gbps nos campi e 30 Mbps nos colégios. Mas estamos aumentando essas velocidades porque o consumo é muito pesado. À medida que vamos intensificando as metodologias, a banda necessária vai crescendo. Nosso plano é ter fibra óptica inclusive nos colégios. Nossa ideia é contratar os provedores para fazer isso, apesar de o plano de banda larga do estado estar sendo estruturado, porque temos muita urgência.
Como dimensionar esse serviço? Há um critério de velocidade mínima por aluno?
Macêdo – Partimos de um cálculo de utilização. Hoje a gente tem implementado um plano que não é ideal, chamado sub pleno, mas é o que conseguimos, diante da atual conjuntura. Ao mesmo tempo, estamos preparando o Plano A: aumentar banda para gigabits e aí transformamos nossos ambientes educacionais também. Hoje priorizamos o trafego para as ações vitais. Aula online, por exemplo, tem prioridade no tráfego. Mas nosso futuro é 2020, quando teremos 22 mil alunos na universidade. Estimamos que a transmissão de uma aula exigirá 1 Mbps. Para interatividade, precisamos de, pelo menos, algo entre 5 Mbps e 8 Mbps. O que fazemos é a conta do que precisamos para atividades paralelas. Nosso calculo é entregar 72 Mbps por colégio universitário, mas aí teremos multimídia e vídeos em intensidade maior. Acho que hoje com 15 Mbps conseguimos resolver.
Existe orçamento para apoiar essa demanda?
Macêdo – Temos boa parte do orçamento da universidade disponível para TICs. Essa foi uma prioridade nossa, colocar boa parte do orçamento para TICs porque é habilitador e viabiliza a gestão administrativa mais eficiente.
Falando em administração, essa é uma área em que vocês estão inovando bastante. Conte um pouco sobre o que têm feito.
Macêdo – Na parte administrativa, todos os nossos serviços estão em nuvem. Usamos o data center do Serpro [Serviço Federal de Processamento de Dados]. Todo o repositório da universidade está na nuvem. E pagamos apenas pelo que utilizarmos. Temos alguns servidores próprios, mas usamos principalmente para testes, coisas experimentais. Aquilo que requer maior confiabilidade, funcionamento continuado, colocamos nas nuvens.
Vocês também desenvolveram soluções, não é?
Macêdo – Desenvolvemos um sistema para concursos, para que as provas sejam feitas online. Este ano, montamos salas de prova para concurso de professor na UFABC, na UnB, na UniRio, na UFBA e no campus Itabuna da UFSB. O concurso tem fases. Na primeira, os documentos são eletrônicos, e as provas são corrigidas eletronicamente. Os avaliadores estão espalhados pelo mundo todo. Pode haver um no Japão ou nos Estados Unidos. Isso também facilita a vida do candidato. Depois, nas provas didáticas e avaliações, os candidatos tiveram que se deslocar, mas o primeiro momento foi virtual. Fomos a primeira universidade do país a fazer isso.
Então a sua equipe desenvolve soluções?
Macêdo – A nossa política: somos todos acadêmicos e não queremos reinventar a roda. Desenvolvemos o que não existe. Essa coisa do concurso, tivemos que fazer. Mas se já houver um software bom, para resolver um problema, fazemos análise de impacto, compatibilidade com as necessidades e, se bem atendidas, adotamos a solução.
O senhor falou em ambiente virtual. Que plataformas a UFSB utiliza?
Macêdo – Nós não temos ambiente virtual próprio, mas apontamos as diferentes facilidades de diferentes recursos. Damos suporte ao Moodle, que é uma plataforma livre, mas compramos licença Camtasia, software de edição de aulas. Também vamos usar o Google Apps. O que fazemos é recomendar ferramentas e para essas damos suportes, mas os docentes são livres para utilizar o que julgarem melhor.
E quais recursos multimídia são usados?
Macêdo – Hoje temos duas iniciativas, basicamente: transmissão de aulas e eventos. Por exemplo, se temos uma palestra importante em um dos campus, tudo é transmitido e temos interatividade concreta com Adobe Connect Meeting. Também fazemos e queremos explorar muito a preparação de material pré-gravado. Nesse caso, a equipe docente local apoia os alunos na atividade, mas isso será feito com muito conteúdo.
Como é a questão de equipamentos para alunos e professores?
Macêdo – Damos um laptop da universidade para cada aluno, para se conectarem na universidade ou na residência. Assim eles têm um laboratório em mãos. No laptop embarcamos Adobe, editores de texto, software de planilha, browsers. Temos versões Linux, mas também Windows. Os professores também têm acesso a notebooks ou desktops e existem programas internos de capacitação para utilização
de ambientes virtuais de aprendizagem e meios digitais.
Vocês têm alguma política para aquisição de software?
Macêdo – Temos política de usar software livre em todos os locais possíveis, mas não estamos fechados para o software proprietário. O objetivo primeiro da universidade é uma boa educação. O Moodle tem nos propiciado um ótimo resultado. Mas não é uma filosofia de exclusividade e então vamos atrás de fornecedores.
Quantos computadores foram comprados?
Macêdo – Na primeira leva, foram mil notebooks em setembro de 2014. Compramos da HP e da Positivo. E vamos crescer aos poucos. Para este ano, serão mais mil. As compras são feitas via pregão de compras. Temos termo de referência e ganha a proposta mais barata.
Como é feita a manutenção ou o suporte?
Macêdo – O que fazemos é adquirir laptops com garantia de três anos. Não queremos dar manutenção, mas usar serviço dos fornecedores.
Quais têm sido os maiores desafios?
Macêdo – A gente tem uma equipe enxuta. Temos uma equipe de 30 pessoas, mas vamos expandir até 70 pessoas, conforme o plano de três anos de expansão, em andamento. É desafiador. Temos que acompanhar o desenvolvimento dos modelos de ensino e aprendizagem, acompanhar a legislação, órgãos de fomento e a operação do dia a dia. Criamos tudo do zero, não tínhamos onde nos inspirar e claro que os processos serão aperfeiçoados. O desafio é esse. O que facilita muito é que temos uma equipe boa e participamos do Conselho de Gestão e do Conselho Universitário. Estar nesses espaços de é fundamental para ir acompanhando as decisões estratégias, estar em alinhamento com as propostas de ensino e pesquisa. Não somos prestadores de serviço internos, nós também definimos o processo de organização. Mas fazer parte das decisões exige um esforço intelectual maior para acompanhar tudo. Tem sido uma tarefa bastante interessante.