Karina Menezes e José Gildásio Júnior
O calango é um pequeno réptil que vive em rochas e fendas. Esse lagartinho arisco tende a ficar imóvel ao primeiro sinal de perigo e se esconde, para evitar o pior. Porém, é um bichinho resistente e ágil, que gosta do calor e, por causa disso, não mede esforços para encontrar seu lugar ao sol. Foi na terra dos candangos, termo usado para se referir aos trabalhadores pioneiros na construção de Brasília, que encontramos uma turma também pioneira, que escolheu o pequeno réptil como símbolo: o Calango Hacker Club.
Jeronimo Avelar Filho, um dos fundadores, nos conta que o Calango surgiu da vontade de ter um lugar de reunião, de criação, de ensino, que se assemelhasse a outros hackerspaces do mundo. As conversas com Anchises, integrante do Garoa Hacker Club, que algumas vezes esteve de passagem em Brasília, impulsionou essa vontade e a cada encontro realizado mais ficava evidente a necessidade de ter um lugar que pudessem chamar de seu. Como passo inicial foi criada a lista de discussão CalangoHC no Google groups.
A primeira “fenda” ocupada pelos hackers do Calango foi um espaço no Parque da Cidade, no qual permaneceram até a mudança da gestão pública da cidade, que os obrigou a desocupar o espaço. Em busca de outras frestas e brechas no sistema, encontraram apoio de uma escola pública que cedeu um espaço a ser usado em horários e dias definidos. Esse era um dos grandes desafios do Calango: conseguir um lugar fixo, com os custos bancados pelos próprios participantes. Em 2015, inspirados pela experiência dos colegas do Garoa e do Raul Hacker Club, decidiram abrir seu próprio financiamento mensal, usando a plataforma Unlock. Foi assim que o Calango conseguiu seu lugar permanente ao sol.
Todo o caminho trilhado mostra ao grupo que algumas ações que antes eram desafiadoras agora parecem simples, como montar eventos na Biblioteca Nacional de Brasília para divulgação da cultura maker com o open hardware; participar das Semanas da Ciência e Tecnologia promovidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) ou criar o Hangout do Calango. O próximo passo é buscar a formalização do grupo como associação civil.
Otávio Carneiro conta que um projeto marcante na história do Calango foi o Monitora do Cerrado, anterior à sua chegada no grupo. O projeto foi emblemático por abrir algumas portas, como a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. O Monitora do Cerrado começou em um período de grande estiagem no Distrito Federal: “Em Brasília não há muitos pontos de medição meteorológica oficial e desconfiava-se que as decisões públicas relativas ao clima não estavam sendo tomadas nas melhores condições”. O governo deve fechar as escolas quando a umidade relativa atinge 15%, por exemplo, mas não dá para confiar na decisão de fechar ou abrir a escola com base em uma medição realizada a dezenas de quilômetros. Assim, o grupo que hoje forma o Calango decidiu montar medidores climáticos de baixo custo que pudessem ser espalhados pelo território. O projeto, baseado em Arduino, foi apresentado na Semana de Ciência e Tecnologia de 2011 e deu bastante visibilidade ao grupo. As informações de como montar as estações e de como funciona o projeto estão disponíveis aqui.
Um projeto atual é o Music Hacking, cuja proposta é permitir que as pessoas façam música eletrônica “com as próprias mãos”. Ou seja, em vez de usar softwares sequenciadores ou instrumentos específicos, utilizam circuitos eletrônicos montados por eles mesmos ou instrumentos não eletrônicos adaptados. Um exemplo é o “berimbau elétrico”, um berimbau adaptado para se conectar a pedais de distorção de guitarra. Outro experimento foi um circuito que usava rabiscos de grafite como potenciômetros para controlar o tom e o timbre do instrumento inventado.
Outras ações permitem explorar novas tecnologias sem projeto específico associado. Já realizaram eventos para conhecer melhor as impressoras 3D e já montaram drones e várias partes de um cortador CNC. Iniciaram uma adaptação de uma plotter de grande formato para tentar transformá-la em um CNC, mas a falta de um espaço físico para manter o equipamento desmontado os forçou a interromper o projeto.
Atentos às discussões relacionadas à transparência da gestão pública, também têm atuado na análise de dados públicos. Para isso, interagem com o Laboratório Hacker da Câmara dos Deputados – o que fez surgir muitas iniciativas de trabalho com dados legislativos e do governo federal como um todo. Nessa linha, organizaram o Open Data Day 2015 em Brasília, evento que rendeu entrevista na rádio e foi um sucesso muito maior do que esperavam, relata Carneiro. Tudo isso mostra que esse é um lagarto pioneiro. Porque, de tímido, esse Calango não tem nada.