ENSINO HÍBRIDO é uma expressão da moda na educação. Ao pé da letra, podemos dizer que significa uma estratégia que mescla mais de uma forma de ensinar. E, como estamos na era digital, a principal combinação se dá entre o ensino convencional e o ensino que utiliza as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), seja dentro da sala de aula, seja a distância.
Mas não basta misturar giz com tecnologia. Em tese, podem ser chamadas de híbridas aulas em que os alunos ouvem o professor e depois assistem um vídeo sobre o conflito no Oriente Médio, ou fazem exercícios em uma plataforma web de matemática, por exemplo. No entanto, o potencial dos métodos de ensino híbrido – já em aplicação em vários países, e começando a ganhar adeptos no Brasil – vai muito além de um recurso para “acordar” a turma. “Não se trata de dar uma aula enriquecida com tecnologia”, esclarece a educadora Lilian Bacich, coordenadora do Grupo de Experimentação (GE) em Ensino Híbrido, iniciativa em parceria entre o Instituto Península e a Fundação Lemann.
O principal trunfo do ensino híbrido, aponta a especialista, é facilitar a personalização da aprendizagem – o que leva o estudante a aprender mais e melhor. Todo professor, desde há muito, sabe que as crianças e os jovens de uma mesma turma têm diferentes tempos de assimilação e diferentes graus de elaboração dos conteúdos. As turmas, heterogêneas, deveriam ter à disposição diversos meios de aprendizagem, de forma que cada um pudesse aprender com os mecanismos que mais se adequassem a seu perfil. Essa variedade ficou mais viável com a tecnologia: além dos livros, da exposição oral, existe hoje uma enorme gama de dispositivos onde o aluno pode trabalhar, respeitando o seu ritmo e o seu jeito.
Para isso, explica Lilian, a tecnologia deve estar integrada ao planejamento de aula de maneira que se torne realmente essencial e forneça dados para personalizar o ensino: “Por exemplo: você pode preparar um PPT para dar uma aula e na hora acaba a energia. Tudo bem, você dá a mesma aula sem a apresentação eletrônica. A tecnologia tem de ser usada de um jeito que, se acabou a luz, os alunos vão ter de fazer outra coisa”. A educadora dá mais um exemplo: “Colocar toda a classe, cada um em sua carteira, todo mundo enfileirado fazendo exercício na plataforma de Khan Academy é usar tecnologia, mas não é usar de modo transformador. É transformador se você organiza o pessoal em grupos rotativos, um grupo usando a plataforma, outro construindo figura geométricas em papel, outro identificando ângulos em obras de arte, e depois esses grupos passando de uma atividade a outra”.
O sistema de rotação a que Lilian se refere é um dos quatro modelos do ensino híbrido desenvolvidos por pesquisadores do Clayton Christensen Institute, dos Estados Unidos. Essa linha de estudos chegou ao Brasil por meio de da Fundação Lemann e do instituto Península. A iniciativa constituiu um Grupo de Experimentação (GE), criou um curso e editou um livro, ações que tiveram coordenação de Lilian, juntamente com Adolfo Tanzi Neto e Fernando de Mello Trevisani.
Se você quer saber de que forma a tecnologia é capaz não apenas de animar suas aulas mas, acima de tudo, de potencializar a aprendizagem, confira os principais conceitos dessa corrente de pensamento sobre o ensino híbrido e os depoimentos de educadores que participaram do GE, realizando aplicações práticas das técnicas em sala de aula.
O que se espera do professor?
Não precisa ser um hacker ou um nerd, mas é bom o professor conhecer as ferramentas básicas da tecnologia, para não perder o pique ao se deparar com algum entrave técnico. Porém, isso não quer dizer esperar ter uma apropriação total para depois começar. “Tem de usar a tecnologia, mesmo que de forma convencional. Gradativamente, o professor vai utilizar cada vez mais, até que se aproprie dos recursos e esteja em condições de inovar o uso”, alerta Lilian. A mudança do modelo tradicional para o ensino híbrido também acontece aos poucos e, de acordo com a educadora, se dá a partir da prática e não da teoria: “Não precisa estudar muito os conceitos. Basta aplicar uma das técnicas e observar os resultados. Depois dessa técnica incorporada, partir para outra inovação”. O professor precisa ter em conta que qualquer mudança no modelo de aula requer adaptar os materiais de estudo, o espaço, as formas de avaliação. Dá mais trabalho? “Sem dúvida. Mas, uma boa aula sem tecnologia também não dá trabalho?”, ressalta Lilian. E a vantagem de o professor produzir os conteúdos digitais é que ele cria o material uma vez e ao longo do tempo vai apenas atualizando, remixando.
Qual a participação do gestor?
O professor engajado no uso da tecnologia faz toda a diferença. Mais: contamina o colega ao lado. Mas o apoio da coordenação pedagógica e da direção escolar são fundamentais para que uma ação isolada vire uma prática institucional, ganhe organicidade, agregue mais recursos e até se torne um projeto da escola. Por ser uma metodologia que mescla presencial com digital, o ensino híbrido pode ser implantado gradativamente, em uma ou duas turmas, e se expandir à medida em que aluno, professores e direção vão construindo, juntos, o formato mais adequado. “Planejamento é fundamental para integrar a tecnologia no contexto escolar de modo que seja essencial ao aprendizado”, alerta Lilian.
Quais os ganhos para os alunos?
Motivação para o estudo é o efeito mais imediato. Mas é só o começo. Na aprendizagem por técnicas híbridas, o professor consegue quebrar as barreiras do nivelamento da turma. Cada aluno aprende no seu tempo e no seu modo de absorver a informação. Os que já assimilaram não precisam ficar esperando os que estão com dificuldade, podem avançar mais. E aprendem não só com o professor, mas por conta própria, uns com os outros. Assim, autonomia e colaboração são habilidades que ganham força. “Não é novo trabalhar colaborativamente em rotação. Fazemos isso o tempo todo no ensino infantil. Conforme aumentam os níveis, vamos nos afastando dessa técnica. Os professores do fundamental 2 começam a ter uma visão mais fragmentada. No híbrido, é possível resgatar essa dinâmica”, diz Lilian.
O que muda na sala de aula?
Professores que aplicaram métodos híbridos são unânimes na resposta: muda a cara da sala de aula. Impossível manter a tradicional disposição de carteiras enfileiradas na frente de um professor. A sala de aula muda também de lugar. Pode ser a biblioteca da escola, a casa do aluno, uma rua, um museu, qualquer lugar onde se esteja fazendo uma pesquisa de campo. Importante, nesse modelo, é que o professor não esteja mais “à frente”, mas “em meio” ao processo de aprendizagem – mediando, corrigindo rumos, sugerindo novos caminhos.
Como fazer a avaliação?
Um dos avanços mais consistentes da metodologia híbrida é possibilitar avaliações pontuais, que servem também como feed back para o próprio aluno. A ideia é fazer a chamada avaliação por rubricas, atividades, categorias. “Até porque essas avaliações por etapas ajuda a deixar claros os objetivos de aprendizagem”, afirma Lilian Bacich. No sistema de rotação, o professor fica mais próximo dos alunos e pode ver melhor e mais rapidamente quais são as dificuldades. A educadora explica que a avaliação tem caráter “formativo”: dá respostas a cada aula, a cada duas aulas, com tempo de rever e recuperar a falha.
Quais as tecnologias necessárias?
Primeiro, banda larga de qualidade. Segundo, banda larga de qualidade. Terceiro, banda larga de qualidade. Mas isso é quase uma piada na realidade brasileira. Na vida real, muitos professores têm de trabalhar off-line. No modelo de rotação, o bom é que divide-se a sala em grupos e é possível apenas um grupo acessar a internet, enquanto outros fazem atividades diferentes – o que otimiza o uso da conexão. Equipa- mento já não é impedimento. Pode-se trabalhar com diferentes devices, dependendo do que existe na escola ou do que os alunos dispõem. Hoje, até celulares mais simples são capazes de tirar fotos, acessar vídeos e rodar games simples.
Histórias de sucesso
Experiências que podem ser replicadas ou servir como referência para a sua escola 1 – Os mesmos recursos, usados de um jeito diferente 2 – Personalização do esino como projeto de escola 3 – Avaliação diagnóstica e professor-autor |