beth_almeidaIdealizadora do colóquio Web Currículo, promovido desde 2008 – e que terá a próxima edição em outubro – Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida chama atenção para a lacuna existente na integração entre currículo e tecnologia. Professora associada da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ela atua no Programa de Pós-Graduação em Educação da universidade e trabalha, há muitos anos, com a temática das TICs aplicadas à educação.

Nesta entrevista, Beth Almeida explica a necessidade da formação (não do treinamento) de professores para o uso de recursos tecnológicos. E defende o desenvolvimento de um currículo que tenha a perspectiva de aprendizado ativo: “É o que melhor atende os alunos da cultura digital”

 

O que é o colóquio Web Currículo? Qual o objetivo desse encontro?
Beth Almeida –
No Brasil, os eventos que envolvem tecnologias para a educação têm uma lacuna no que se refere à integração entre currículo e tecnologia. Ou seja, eventos que tratem não da produção de materiais para uso na escola, mas da concepção de currículo que se desenvolve a partir de tecnologias A ou B. E, claro, tentamos identificar experiências concretas de uso de tecnologia da informação e comunicação na educação, não apenas em universidades, mas também na educação básica e em contextos de educação formal ou não formal.

A senhora utiliza a palavra currículo de forma específica. Poderia explicar qual a concepção do termo quando se discute web currículo?
Beth –
Quando discutimos currículo, precisamos falar do currículo em termos não apenas de conteúdos, mas pensando também em atividades, estratégias, atitudes e valores trabalhados. Há o currículo prescrito, que está no material didático, e há a outra perspectiva, que aparece quando esse currículo é colocado em ação. Na prática pedagógica, aparece o currículo real e ele tem a ver com as relações que se estabelecem, com os recursos utilizados, que não são neutros, os valores trabalhados explícitos e os que estão subjacentes.

O que muda quando se considera esse sentido amplo do termo para a escolha de tecnologias para educação?
Beth –
Quando pensamos na integração de tecnologias com o currículo, essa integração que acontece concretamente, na prática pedagógica, precisamos ter em mente que os recursos de tecnologias digitais interferem no currículo e na própria concepção de educação a ser aplicada.

De que forma se dá essa interferência, na prática?
Beth –
Quando você vai trabalhar integração currículo e tecnologia por meio de recursos educacionais, eles definem uma prática. Você tem recursos mais informativos, em que o aluno não exerce atividades para além de apertar o botão. Esse tipo de recurso segue uma visão de currículo que vem da perspectiva transmissiva com o aluno no lugar de receptor. Aí tem uma concepção de currículo. Outra concepção é de autoria do aluno no processo educacional. Por essa linha, você vai trabalhar com a rede, para que o aluno tenha protagonismo. É o currículo reconstruído no ato pedagógico e educativo. O currículo voltado para a aprendizagem ativa. E essa forma de desenvolver o currículo, da perspectiva de aprendizado ativo, é o que melhor atende os alunos da cultura digital.

É essa a proposta do web currículo?
Beth –
Sim, essa ideia de integração das tecnologias com o currículo para aproveitamento possível das contribuições para autoria, para comunicação todos x todos. Olhamos a web não para consumo, mas para promover a participação.

O que existe hoje de plataformas para educação favorece esse modelo inovador de currículo?
Beth –
O predominante é a tecnologia que atende essa perspectiva tradicional de transmissão de informações. Mas é perceptível a tendência de se trabalhar na aprendizagem ativa, até porque o mercado de trabalho exige o profissional que tenha autonomia, que saiba trabalhar em equipe, produzir coisas, trabalhar em equipe e isso precisa ser ensinado desde a escola.

Quais os desafios para se integrar as TICs na educação?
Beth –
Hoje se vive um dilema de como trabalhar essa perspectiva da abordagem ativa e ao mesmo tempo fazer com que o aluno aprenda todo o conhecimento sistematizado e compartimentado dos currículos atuais. É tanto conhecimento sistematizado… ainda temos a concepção de que colocando toda essa informação na cabeça do aluno ele dá conta de mobilizar os conhecimentos. Mas a verdade é que, se ele não atribuir significado, não vai conseguir sequer aprender. Ninguém nega a importância do conhecimento sistematizado, mas que seja mobilizado em processos de aprendizagem ativa.

Ou seja, as plataformas computacionais são concebidas para atender a forma de ensino atual.
Beth –
Sim. Mas o problema vai além da plataforma, o problema está no sistema. Ainda que o professor esteja incluído digitalmente – em certo grau, claro -, o uso pedagógico das tecnologias é um conhecimento adicional e precisa ser adquirido. E mesmo que o professor seja preparado nesse sentido, só será bem-sucedido se houver um trabalho na escola, para entender o ensino ativo. Precisamos alterar o sistema educativo, ou seja, a estrutura em que o ensino se pauta atualmente.

Há experiências interessantes no uso das TICs para a educação dessa maneira?
Beth –
Experiências nós temos várias, mas ao longo do tempo não se sustentam, especialmente quando falamos de Brasil. Basta mudar um gestor que a perspectiva pode ser descontinuada.

E fora do Brasil, qual a realidade?
Beth –
Alguns países já caminharam um pouco mais. No Reino Unido, a proposta curricular vem sofrendo mudanças muito interessantes. Eles têm abertura para trabalhar com contextos, preparar os alunos desde a educação básica com programação de computadores, por exemplo.

Como a senhora vê o desenvolvimento do web currículo no Brasil?
Beth –
Nós temos um Plano Nacional de Educação (PNE) que prevê aberturas, do mesmo jeito que as diretrizes curriculares nacionais da educação básica dão espaço para isso. Mas precisamos observar o que vai acontecer com as metas do PNE, com as perspectivas de implantação. Ainda que não façamos toda a mudança, não chegue à revolução total, o PNE dá abertura.

Então há um cenário positivo?
Beth –
Eu me encontro em um dilema. Ao mesmo tempo que isso acontece, há propostas de incorporar tanta coisa nas bases curriculares nacionais… O risco é que a base se torne tão grande que inviabilize o trabalho mais aberto, que sufoque o professor. A solução seria apostar em uma escola integrada, em que nem toda atribuição ficasse com o professor, mas que se buscasse nos contextos com potencial de aprendizagem tais como museus, exposições, portais temáticos, museus virtuais, bibliotecas.

Desde o primeiro colóquio, em 2008, até agora, o que mudou?
Beth –
Houve uma evolução nas práticas. Hoje você percebe que professores superaram problemas mais focados na tecnologia em si. O uso pedagógico das tecnologias vem acontecendo, não ainda universalizado, claro, e o desafio é justamente essa perspectiva mais aberta, de integração de contextos, trabalho em que o aluno seja efetivamente ativo: trabalhar com criação de jogos, criação de blogs, de narrativas.

Mas esse trabalho de criação e ativo não exige recursos tecnológicos avançados?
Beth –
Olha, você pode criar um jogo com linguagem de programação muito simples, como o Scratch. O professor precisa, sim, de conhecimento, precisa participar de processos formativos, não apenas de treinamentos. E não é o suporte de um técnico que vai ajudar, mas o suporte de outros educadores preparados para uso tecnológico. O entrave maior mesmo, nesse caso, é a internet de má qualidade nas escolas.

Qual é o impacto da má qualidade de conexão na formação de um aluno ativo?
Beth –
A conexão é muito problemática e isso pesa contra, quando falamos em avançar para o aluno ativo no processo de ensino. A conexão que existe hoje, na maioria das escolas, é muito lenta, não se mantém quando muitas máquinas trabalham simultaneamente, quando estão todos conectados. O professor que conhece essa realidade vai contornando com trabalho em grupo, ele mesmo faz as buscas e leva isso com ele e aí os alunos podem trabalhar offline, mas claro que cria constrangimentos. Então, sem internet isso fica muito restrito. Não estou dizendo que seja impossível. Tem professor que encontra formas, sim, mas às vezes dá até desânimo.