Nesta época de intensa conectividade em rede, as crianças percebem desde cedo que é possível buscar informações sobre tudo, a qualquer momento. Assim, incorporam naturalmente a base importantíssima para sua inclusão no mundo distribuído: a aprendizagem aberta e compartilhada, em que o foco não é definido tanto por responsabilidades institucionais, mas emerge de interesses próprios.

As pessoas costumam ver as crianças em termos de idades e estágios em desenvolvimento, preocupando-se com o que se tornarão, em vez de considerá-las seres completos, com vidas em andamento, necessidades e desejos.

Ações que potencializam a aprendizagem no ensino básico criam condições para a reflexão conjunta, não só da comunidade escolar – alunos, pais, professores, diretores de escolas, pesquisadores e gestores – mas da sociedade. Mesmo assim, nem sempre as inovações podem ser reconhecidas e aplicadas em curto prazo.

Apenas como exemplo, o termo interdisciplinaridade, nomeado pelo sociólogo Louis Wirtz, foi publicado pela primeira vez em 1937. Porém, passou a ter visibilidade e alguma aplicação efetiva a partir dos anos 1960, e, mesmo assim, em grades curriculares mais modernas. A reflexão considerada a mais avançada e possível, na época, era sobre a necessidade de romper com a lógica disciplinar segmentada e fundamentada em finalidades distintas, pois buscavam identificar fatos e objetos com referenciais específicos no universo de cada matéria.

Em meio à então ‘nova concepção de ensino’, a interdisciplinaridade passa a ser adotada de modo mais amplo, buscando também considerar a heterogeneidade e a complexidade das realidades sociais e locais. Essa visão foi colocando maior foco na aprendizagem integrada e ganhando maior relevância ao incorporar ao currículo matérias que tratavam de questões ambientais, sociais e culturais de cada região.

Com a chegada da internet e as escolas brasileiras servindo-se de infraestrutura e conteúdo digital, foi possível mesclar naturalmente não só disciplinas, mas outros tipos de conhecimento de maneira interativa e em nível global.

Até pouco tempo, por exemplo, achava-se que a programação para crianças só serviria de incentivo à formação de futuros profissionais de tecnologia e as oficinas de robótica seriam uma forma de lazer e estímulo complementar, inclusive mais dirigidos a meninos do que a meninas.

Essa ideia vem sendo substituída pela concepção de que a programação deveria fazer parte da grade curricular regular desde os primeiros anos da infância – como já é oficial na Inglaterra–, embora há mais de vinte anos Steve Jobs já dissesse que “todos deveriam aprender a programar, porque isso ensina a pensar”. Hoje é possível complementar: “E quanto antes, melhor”.

Se o uso dos computadores e a linguagem de programação podem tornar as crianças mais conscientes de seu próprio processo de pensar, isso não significa que elas sejam forçadas a se comportar conscientemente como adultos.

Inseridas nas atividades de criar, fazer e compartilhar, com uma linguagem tecnológica, as crianças têm capacidade de absorver noções de programação de acordo com seu desenvolvimento. Assim como absorvem as noções de como falar, escrever ou fazer contas.

É compreensível certo temor de que o uso do computador e especificamente o aprendizado da linguagem de programação precocemente possam gerar adultos insensíveis e sem critérios morais, no sentido de reagirem como máquinas, sem noções básicas de interesse e compaixão pelas outras pessoas e sem a responsabilidade de agir socialmente. Esse aspecto deve ser levado em consideração, pois o coding não pode ter um lugar de maior importância do que as disciplinas de humanidades – como pretende o ministro da Educação da Austrália, ao colocar história e geografia como matérias optativas e programação como obrigatória, acreditando que está pensando no desenvolvimento das futuras gerações.

Iniciativas mundiais já divulgam a importância da programação desde a infância. Segundo o blog Playground da Informação, existem quase 2.800 clubes de ensino de programação, em vários países. Por exemplo: o Code.org, com o projeto Uma hora de código para programar, para crianças a partir de 4 anos; e o Code Club World, rede global com o lema “Dar a cada criança do mundo a oportunidade de aprender a programar”, para crianças de 9 a 11 anos.

Aqui, o Code Club Brasil fornece projetos a clubes de programação por meio de “voluntários que atuam uma hora por semana”. A Codecademy é a plataforma interativa online desses clubes, com aulas gratuitas de codificação em linguagens de programação. Nesse mesmo patamar, a Fundação Lemman promove o Progra-maê!, que oferece planos de aula e sugestões para professores e alunos.

Refletir sobre o coding para inclusão das crianças nas tecnologias, pela grade curricular, caminha na mesma direção que nós trilhávamos, há duas décadas, enquanto ativistas da inclusão digital. Tendo hoje ultrapassado o ciclo de imprescindibilidade da inclusão digital como o acesso gratuito à internet dos programas insti- tucionais, talvez o principal desafio das políticas públicas voltadas para as TICs e a educação seja favorecer o uso de ferramentas que proporcionem o ensino e a aprendizagem condizentes com este momento.

Na busca por uma orientação confiável, uma curadoria de conteúdo formada por uma rede de professores e outros agentes educacionais é uma maneira eficaz de criar filtros para melhor o aproveitamento de informações, o conhecimento e a participação da inteligência distribuída voltada à educação.

Hoje, o aprendizado é um processo interativo e criativo. Não basta assimilar informações. É preciso selecioná-las, relacioná-las e fazê-las convergir para processos criativos. A escola deve dotar o educando de capacidade para enfrentar novos desafios, lidar com múltiplas racionalidades, aprofundar seu espírito crítico. Uma boapedagogia o instigaria a analisar criticamente a realidade; conviver dialogicamente nesse mundo de pluralidade cultural; transformar ideias e sonhos em projetos sociais e políticos.

Talvez um dos sentidos mais importantes no cenário da educação nas próximas décadas, em que a questão da escassez e da abundância de recursos se torna mais visível, seja o das condições de possibilidades, ou seja, a liberdade de todos terem a oportunidade de escolher diferentes mecanismos para chegar a melhores soluções para uma sociedade mais inclusiva. Quanto mais pessoas estiverem habilitadas para se apropriar da tecnologia, compartilhar informações confiáveis (e não apenas dados) e colaborar em rede, maior a possibilidade de soluções para o bem comum.

 

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Drica Guzzi é pesquisadora e coordenadora de políticas públicas na Escola do Futuro da USP