Durante muitos anos, a educação foi garantia de melhoria de vida das pessoas. Podemos continuar considerando que a educação é um fator de ascensão social
Joan Girona – Na minha época, era. Estudar para uma profissão te garantia ter um posto de trabalho muito melhor do que os que não estudavam. Hoje já não é assim. Estudar ajuda, aumenta as competências, mas não assegura em absoluto um futuro melhor.

Quais as consequências disso?
Girona – De imediato, muitos adolescentes se desanimam. Acabam a escola secundária [equivalente ao ensino médio, no Brasil] e não encontram motivação para continuar os estudos. Vêm pessoas próximas com profissão que estão cortando pizza e os que trabalham por conta própria o fazem em condições precárias.

Como podemos motivá-los para reverter essa situação?
Girona – Acho que é muito difícil se só buscamos o estudo com o fim de trabalhar, e não como um elemento de mudança da sociedade. Os professores deveriam se envolver nessa questão, em fazer da educação a ponta de lança de uma sociedade que cresça, que amadureça, que sirva para viver melhor e não apenas para ganhar dinheiro com uma carreira.

Que elementos acentuam a desigualdade na escola?
Girona – O que gera mais desigualdade, obviamente, é a situação em que os meninos e meninas chegam à escola. Cada um vem com sua mochila de vida. Quem tem uma família que quer e pode se ocupar do futuro de seus filhos parte de uma situação muito melhor do que quem não tem esse privilégio

Nas aulas também se acentua as desigualdades?
Girona – Certas práticas podem acentuar sim. As tarefas de casa, por exemplo, criam mais brechas entre esses dois tipos de crianças. Porque o que tem uma família presente receberá mais ajuda e atenção para realizar seus deveres, poderá trabalhar em um lugar tranquilo e o fará bem. Um adolescente em cuja casa se vive uma tensão seja pela situação econômica ou social em que se encontra a família não vai poder estudar da mesma maneira.

Lugar e escola são determinantes, então, para o desenvolvimento de meninos e meninas?
Girona – As provas Pisa, por exemplo, demonstraram que o que mais influi na aprendizagem é o entorno familiar e não a escola. É preciso conseguir que a grande desigualdade que existe em nível econômico e social se reduza ao máximo. Isso não significa que a escola não possa fazer nada. Os professores devem se preocupar, por exemplo, que todas as saídas que organizem sejam viáveis para todos os bolsos e que nenhuma criança fique de fora nessa atividade. É preciso encontrar alternativas para que ninguém se sinta desigual na escola.

Que margem têm os professores para tentar compensar as desigualdades?
Girona – Os professores podem dar uma atenção personalizada a cada aluno e dedicar mais tempo àqueles que chegam em uma situação mais desfavorável. Aquele que está suficientemente estimulado e interessado porque em casa o motivam não precisará de tanta atenção quanto o que não vive essa condição em sua casa.

Não há risco de cair em um tratamento desigual aos alunos
Girona – Não se trata de igualdade, mas de equidade. Não podemos dar o mesmo a todos pois nem todos têm as mesmas necessidades. Esse é um trabalho que os professores podem e devem fazer. De qualquer forma, o que não é admissível é que haja cada vez mais alunos por professor. Isso dificulta muito a atenção personalizada. Deveríamos exigir menos alunos por sala, mas não há força social suficiente para isso.

Por que? A sociedade não percebe essa necessidade como prioridade?
Girona – Em geral as pessoas acham que como as crianças estão bem cuidadas e contentes na escola, não existem problemas. Preocupa muito mais a saúde que a educação. A maioria não se preocupa com o que se faz dentro dos colégios.

A internet acentua as desigualdades? Nem todas as crianças têm fácil acesso à rede fora do período letivo.
Girona – Outro fator de desigualdade. Sempre haverá famílias que não terão acesso à internet. Eu diria que a maioria das instituições têm aula de informática, computadores, internet… deveriam manter esses espaço abertos além dos horários letivos para acesso dos estudantes. Essa seria uma maneira de reduzir a desigualdade. Isso pode ser feito nas bibliotecas, os centros cívicos etc. Há alternativas para que todo mundo possa ter acesso à internet.

E em relação aos dispositivos móveis? Existe um profundo debate sobre ligar ou desligar celulares em sala de aula.
Girona – Esse é um problema delicado. Se fala muito, por exemplo, de utilizar dispositivos móveis em aula, mas na maior parte das escolas o celular é proibido. Isso é um erro. Nossos meninos e meninas de hoje nasceram em uma sociedade digital, é absurdo que os eduquemos à margem dessa realidade. Acredito que as novas tecnologias deveriam estar presentes na aula como os livros, os lápis, a lousa.

Mas nem todos têm acesso a essas tecnologias porque são caras.
Girona – Há escolas que pedem aos alunos para comprar um tablet no primeiro ano da escola secundária. E eles usam esse equipamento pelos quatro anos seguintes, sem ter que comprar livros, nem apostilas. Vale a pena o investimento.

O que o senhor diria aos professores que não têm clareza sobre essa questão?
Girona – Os professores tiveram que aprender fazendo e têm receio de usar a tecnologia. Sobretudo quando os alunos sabem mais do que eles. Mas as crianças sabe usar as técnicas. Nossa função é fazer com que as entendam e que saibam para quê usá-las. Pesquisar alguma coisa em um buscador é fácil, mas não é fácil discernir quais respostas são melhores do que outras. É preciso dar-lhes critérios para escolher, selecionar.

Meninos e meninas em situação de vulnerabilidade econômica e social também sofrem falta de atenção emocional. Os professores podem fazer algo a respeito?
Girona – Muitas vezes ouvi, na escola, a frase “Meus pais não gostam mais de mim”. A situação de muitas famílias impede que os pais, no final do dia, tenham alento para para mostrar a seus filhos o quanto os amam Isso é muito duro, principalmente para as crianças. Começamos a nos conscientizar dessa situação. Nós professores não apenas temos de ensinar conteúdos e disciplinas Junto com as famílias, somos os adultos de referência para essas crianças. Tudo aquilo que dizemos e fazes os impacta.

Por exemplo?
Girona – A forma como os recebemos na sala ou a forma como nos despedimos deles, o modo como elogiamos seus sucessos ou como corrigimos seus erros. Em tudo transmitimos emoções – por isso é preciso fazer essas coisas de forma justa e consciente. Acolhemos pessoas, crianças ou adolescentes, que estão sofrendo, que vivem, que têm ilusões e medos. É preciso ter isso presente durante o dia a dia. E da mesma forma que perguntamos a eles se tiveram dificuldade ou não com um exercício, deveríamos perguntar se gostaram de fazer, se se sentiram inseguros ou se fariam de outra forma.

Que conselhos daria aos professores?
Girona – Os docentes devem pensar que são referências desses estudantes, mais pelo que fazem do que pelo que dizem. Devemos estar conscientes de que eles são afetados e influenciados pelas nossas atitudes, pelo modo como os tratamos. Nós professores ensinamos, mas também educamos. A instrução se pode obter em qualquer lugar, mas a relação do adulto e da criança só pode se desenvolver na escola, nesse caso.

O professor continua, então, sendo uma referência?
Girona – Sim, o que nos leva a outra reflexão: que a educação está muito feminilizada. Há poucos professores homens, o que deveria ser revertido. Os meninos e as meninas precisam das duas referências na escola.

Há uma relação direta entre o nível socioeconômico das famílias e os conflitos nas escolas?
Girona – Não acredito, pois conflitos há em toda parte. Mesmo nas instituições privadas, que tentam esconder esses casos. É certo que com a crise econômica, a instabilidade dos alunos mudou, nota-se isso nas aulas.

Conflitos estão todo lugar
Girona – Sem dúvida. Nos falta compreender como são os adolescentes, que se rebelam contra a autoridade, contra os limites. Um adolescente que em todo o ciclo secundário nunca se rebelou deve ter algum problema no seu processo de amadurecimento. Mas não se aborrecem com as pessoas, se aborrecem com o limite que lhes foi imposto. Se nos conscientizarmos disso, certamente as reações de muitos professores serão menos visceral e os conflitos diminuiriam muito.

Tradução: Áurea Lopes
Entrevista publicada originalmente no Blog Tiching