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Quem é o professor do século 21 e quais os seus desafios?
prof-neusa-arede-educaNeuza Pedro – Diria que é um professor sobretudo aberto à mudança, confiante em si, no seu saber curricular e pedagógico mas disponível para mudar, para fazer diferente. É um professor cientificamente capacitado, mas com sentido crítico e em constante atualização profissional. É um professor pedagogicamente formado mas flexível o suficiente para saber acolher o que a cada dia se descobre de novo acerca da aprendizagem e do processo cognitivo no ser humano. É um professor que valoriza o saber e todos os meios de acesso ao saber, sejam analógicos, tecnológicos… que o futuro nos trouxer. É ainda um professor positivo e empoderecedor, que acredita nas capacidades dos seus alunos e que atua sempre para que estes consigam ir além de si mesmos. Que desafios enfrentam? São inúmeros; como sempre foram, aliás. Não acho a atualidade das escolas seja particularmente mais difícil do que qualquer uma das décadas que nos antecederam. Os desafios são outros, nem mais, nem piores. Mas são realmente numerosos e por isso vou eleger dois: a qualificação docente, o direito a uma regular atualização profissional, e o combate à burocratização do sistema (educativo).

O professor ainda pode ser considerado o core da inovação em educação?
Neuza – Sem dúvida. Não há ideia inovadora em educação, por melhor e mais inovadora que seja, que se revele “à prova de professor”. Muito dificilmente se consegue inovar se essa inovação não for incorporada em uma mudança da prática docente, naquilo que estrutura o dia a dia em sala de aula. Contudo, há que se notar que isso não significa que a mudança nas práticas dos professores, por si só, garante inovação. A inovação em educação tem que ser entendida como um processo de modernização sistêmica, ou seja, que envolve todos os agentes e todas as engrenagens do sistema educativo. Um professor sozinho não faz inovação, no máximo faz alguma agitação; perturba um pouco as rotinas, suscita curiosidades, alimenta algumas invejas… mas ainda lhe falta alguns passos para conseguir estabelecer uma inovação. Dois professores? Assim, sim, começa a mudar tudo. Um grupo de professores, com o diretor certo e mais o apoio de 2 ou 3 pais? Ai sim; ruma-se à inovação.

Diversos modelos são apresentados com base na integração de tecnologias. Essa é ainda uma tendência da  “escola do futuro” no mundo?
Neuza – Há quem defenda que a escola deve se manter à margem da sociedade, que deve se preservar do turbilhão de problemas políticos, sociais e econômicos que desvirtuam a paz necessária para a aprendizagem. Alain, notável filósofo francês, indicava: “A escola é um lugar admirável. Gosto que os ruídos exteriores não entrem nela”. Compreendo a perspetiva mas, com humildade, permita-me discordar em absoluto. A ideia de muros que separam a escola da realidade social e do mercado de trabalho me assusta. Entendo que enquanto as tecnologias estiverem integradas às práticas diárias dos cidadãos, tanto em sua atividade laboral, como em situação sociais e de lazer, elas têm necessariamente de ser integradas à escola. A escola e a vida devem ser uma e a mesma coisa. Não consigo imaginar uma escola de futuro, ou seja, para o futuro e com futuro, onde a tecnologia não tenha presença, ou esteja lá desligada… Parece-me uma perda de oportunidades imensa, sobretudo nos contextos socioeconômicos mais deprimidos, onde o acesso ao conhecimento ainda é tão restrito!

Há alguns anos, a União Europeia definiu um quadro de referência para todos os países membros, em que sinaliza como fundamental o domínio de oito competências-chave: a comunicação na língua materna e em línguas estrangeiras, a competência matemática e competências básicas em ciências e tecnologia, a competência digital, o aprender a aprender, as competências sociais e cívicas, a iniciativa e espírito empresarial, e finalmente a sensibilidade e a expressão culturais. Gosto de referir que as tecnologias aparecem por duas vezes: as competências básicas em tecnologia e as competências digitais. Lamento indicar que nem umas nem outras são adequadamente consideradas nos currículos, nem transversalmente trabalhadas nas escolas de hoje. Por isso, diria deverá ser uma tendência? Absolutamente, sim. Mas hoje é realmente uma tendência? Ainda não…

Qual é a proposta do Future Teacher Education Lab (FTE-lab)? Essa proposta pode ser replicada?  
Neuza – A proposta é simples, complexamente simples. Portanto, acho totalmente replicável. Ao criar o FTE-lab no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa tivemos duas ideias de base. A primeira foi a seguinte. Em muitos países tem-se assistido a programas nacionais ou iniciativas locais de aparelhamento tecnológico das escolas do ensino básico e secundário, sobretudo na última década. As escolas têm cada vez mais acesso a computadores, tablets, internet etc. igualmente, os alunos têm cada vez mais cedo acesso a celulares com internet bastante rápida. Contudo, os professores e educadores, tanto aqueles que se encontram nas escolas como os recém-formados, não revelam a bagagem necessária para saber tirar partido pedagógico dessas tecnologias. E um dos principais motivos para essa limitação é a falta de formação dos professores universitários na utilização pedagógica das TICs. Por isso, é prioritário investir na qualificação técnico-pedagógica dos professores do ensino superior.

A segunda ideia se referia ao fato de percebermos que, se queremos ter ‘salas de aula do futuro’, ou seja, inovadoras e potencializadora de abordagens pedagógicas ativas, precisamos ter professores que saibam atuar nesses ambientes. Ou seja, precisamos preparar professores que estejam orientados para o futuro. Logo, há necessidade de modernizar a própria formação inicial de professores, educadores, pedagogos etc. Todos os profissionais tendem a repetir as práticas a que foram expostos. Portanto, se se pretende professores inovadores, as universidades têm de criar espaços onde a inovação em sala de aula seja vivenciada pelos futuros profissionais.

Foi, para responder a essas duas ideias – mas que sinalizam na verdade um único problema: a falta de inovação e de modernização tecnológica das universidades – que o FTE-Lab foi criado. Optamos por chamar de laboratório porque muitas vezes estamos realmente fazendo experiências, ou seja, não sabemos bem em que é que vai resultar… O laboratório se organiza em uma sala equipada com as mais modernas tecnologias digitais (painéis interativos, impressoras 3D, tablets, robôs etc.), com um layout adaptável e mobiliário flexível, de modo a permitir a exploração de novos cenários de ensino-aprendizagem com tecnologias digitais na formação inicial de professores; e de desenvolver oficinas regulares sobre utilização educativa das tecnologias e ambientes online no ensino superior.

O espaço foi criado em 2015 e com um orçamento bastante baixo: zero euros! Tínhamos muita vontade, mas nenhuma fonte de financiamento. Resolvemos contatar diversos parceiros comerciais que havíamos conhecido no âmbito do Projeto Itec, que acabou por promover a criação da Future Classroom da European Schoolnet, existente em Bruxelas. E pedimos aos parceiros que nos dissessem o que poderíamos oferecer-lhes de modo que eles quisessem patrocinar a constituição dessa sala no Instituto de Educação. Eles nos forneceram os equipamentos de que precisávamos. A maioria dos equipamentos não foi doada, mas cedida ao espaço por tempo indefinido. Assumimos o compromisso de desenvolver para as empresas vários serviços, como a criação de vídeos, documentação de boas práticas de utilização dos seus produtos, apoio ao desenvolvimento de estudos, testagem de soluções educativas em desenvolvimento,etc. Claro que acabou por haver alguma verba que teve de ser investida no espaço por parte do Instituto,  na aquisição de mobiliário, e obviamente houve muitas horas de trabalho investidas por parte dos professores e investigadores envolvidos no projeto. Mas com o esforço e a boa vontade de todos o espaço foi criado com base em um modelo muito sustentável e funciona plenamente. Recebemos pedidos de visitas por parte de universidades nacionais e internacionais, de professores, de associações, empresas. Para nós é uma honra receber pessoas interessadas no nosso trabalho.

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Neuza Pedro é professora no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Doutora em Educação na especialidade TIC na Educaçã, tem mestrado em Psicologia da Educação. Tem vários cursos de pós-graduação na área de online teaching, tanto pela Universidade de Adger-Noruega como pela Universidade de Wisconsin-Stout, nos Estados Unidos. Desde 2010, coordena o Laboratório de e-Learning da Universidade de Lisboa. Participou de vários estudos e projetos ligados à integração educativa das tecnologias: Project teL@FTE-Lab (Technology enhanced learning at Future Teacher Education), ITEC Project, Future Classroom Lab, Estudo Intel Teach Advanced Online, LEARN- Math, Technology & society, DALEST, WEBLABS.