Por Marcia Padilha e Adriana Martinelli
Costumamos dizer que não é possível chegar a novos lugares trilhando velhos caminhos. Parece óbvio. Mas geralmente é muito difícil criar cenários realmente inusitados, capazes de romper os pressupostos que perpetuam velhas soluções para velhos problemas. Além disso, no contexto educacional, muitas vezes, “velhas soluções” jamais chegaram a ser implementadas e, nesse caso, não se trata de necessidade de inovação, mas de cumprimento de requisitos básicos para a qualidade educativa. É o caso da carência de laboratórios de ciências, equipamentos que existem apenas em cerca de 10% das escolas públicas brasileiras. É evidente que sem investimentos e sem boa gestão, nem novos nem velhos caminhos serão implementados.
Nesse cenário, alunos e docentes se debatem para aprender e ensinar fenômenos que, sem a possibilidade de experimentação, tornam-se de difícil compreensão para milhares de jovens. Talvez um dos motivos pelos quais eles passem aborrecidos pelo ensino médio, desinteressados de ingressar no ensino superior nas áreas das ciências – além do que, tornam-se adultos incapazes de entender as mais simples leis da física, por exemplo.
Desde 1997, o projeto Experimentação Remota como Suporte de Ambientes de Ensino-Aprendizagem (RexLab) desenvolve uma série de experimentos que vão de um quadro elétrico para ensinar associação em série paralela até princípios de programação computacional e do pensamento matemático para crianças pequenas. Até o final deste ano, a equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), campus Araranguá, vai desenvolver mais sete experimentos focados nas disciplinas Stem (acrônimo inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Os artefatos ficam em uma laboratório real, na universidade. Eles são construídos para serem visualizados por meio de câmeras e manipulados por comandos feitos por crianças e adolescentes, a distância, por painéis de controle via internet. Ou seja, alunos podem, de suas escolas, cadastrarem-se no ambiente virtual do programa, agendar um horário de uso do laboratório, dar comandos que fazem os artefatos se mexerem e observar os resultados.
Meninos de cinco anos de idade podem aprender noções básicas de programação, de lógica e de lateralidade interagido com uma interface em seus tablets na escola para criar movimentos em uma cobrinha colorida chamada Cora, que, no laboratório da universidade, mexe a cabeça em vários sentidos, para a direita, a esquerda, baixando, levantando, pegando e soltando objetos. Tudo desenvolvido por uma equipe interdisciplinar, em hardware e software aberto e livre, de baixíssimo custo. Não bastasse isso, os docentes nas escolas recebem formação presencial, materiais de apoio – no caso da cobrinha Cora, desenvolvido por pesquisadora da Costa Rica que fez intercâmbio com o laboratório – um ambiente em Moodle com mais materiais de apoio à aprendizagem, além de um grupo no Facebook, especialmente para a disciplina de física, hoje com 300 participantes. Além disso, o RexLab integra uma rede de doze universidades na América Latina, Europa e África que trabalham em parceria de pesquisa e desenvolvimento para o desenvolvimento dos experimentos e dos recursos de tecnologia digital.
Em quase vinte anos de existência, com excelentes resultados e uma equipe de profissionais altamente inovadores, capacitados e criativos, esse é, sem dúvida, um dos projetos de maior inovação no Brasil. O RexLab já foi apoiado duas vezes pelo Fundo Regional para a Inovação Digital na América Latina e o Caribe (Frida), além de ter recebido apoio também do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e do Registro de Endereçamento da Internet para a América Latina e o Caribe (LacNic, na sigla em inglês).
Em sua tese de doutorado em 2006, o professor Juarez Bento da Silva enviou questionários a 110 instituições de educação a distância e apenas uma sabia o que é a experimentação remota. Quase dez anos depois, o Brasil segue conhecendo pouco sobre as suas possibilidades. Enquanto a equipe de pesquisadores da UFSC se mantiver apaixonada por ciência e educação e buscando recursos dentro e fora do Brasil para desenvolver seu trabalho, dezenas de docentes poderão ter suporte didático e acesso livre aos laboratórios remotos para apoiar a aprendizagem de milhares de alunos que terão a chance de aprender aquilo que é de seu direito aprender. Para que essa iniciativa vire um programa educacional de muito maior escala, é preciso inovar tanto no seu financiamento como na articulação entre pesquisa e educação básica para a aprendizagem das ciências. Que cada um faça a sua parte.
Para saber mais sobre o projeto: http://rexlab.ufsc.br
Para saber sobre o programa de pós-graduação, em Tecnologias da Informação e Comunicação (PPGTIC), que abriga o RexLab: http://ppgtic.ufsc.br/sobre-o-ppgtic
Marcia Padilha e Adriana Martinelli são empreendedoras da MEIO, educadoras e articuladoras de inovações na educação.