BiancaUma polêmica por e-mail sobre o uso do celular em sala de aula gerou um rico debate institucional entre docentes de uma faculdade particular de São Paulo (SP), em outubro do ano passado. Bianca Santana, professora do curso de jornalismo, ativista da cultura digital e uma das organizadoras do 1º Seminário Cásper Líbero de Tecnologia no Ensino Superior, conta o quanto docentes do ensino superior estão interessados em refletir sobre a funcionalidade pedagógica das Tecnologias da Informação e da Comunicação. E adianta algumas das conclusões tiradas durante os dois dias de reflexões – que vão ser publicadas também em um livro, a ser lançado ainda este semestre.

Existem diferenças entre o uso de TICs no ensino básico e no ensino superior?
Bianca Santana – Foi uma surpresa, pra mim, constatar, nesse seminário, que há uma demanda gigante por reflexões de fundo sobre TICs também no ensino superior. Eu acompanhava essa discussão no ensino básico. E acreditava que no ensino superior não havia interesse em discutir nem metodologia de ensino, nem tecnologia educacional. Mas percebi que as pessoas estavam “tensas”. E acredito que a principal tensão vem do problema do desinteresse dos alunos. Desinteresse nas aulas em si. Claro que em algumas aulas o modelo tradicional continua a funcionar bem. Mas há outras em que os alunos já mostram um evidente desinteresse. E isso não acontece só na Cásper. A evasão continua crescendo em todas as instituições.

A tecnologia pode ajudar a minimizar a evasão? De que forma?
Bianca – Eu acredito que sim. Veja, recentemente o professor Carlos Costa, diretor do curso de jornalismo na Cásper viajou aos Estados Unidos para conhecer novas experiências didáticas no ensino superior. As coisas que mais chamaram atenção dele lá foram o uso de tecnologia, a presença de mais de um professor em sala de aula, a aprendizagem por projeto – que nada mais é do que o trabalho em grupo, em rede. Eu comecei a dar aulas na faculdade no ano passado e na primeira reunião de que eu participei as pessoas falavam disso, de trabalhar em grupo, de estimular a produção dos alunos… uma discussão da qual eu participei intensamente na educação básica. Aí eu me dei conta de que as questões são muito parecidas. O que é importante na educação infantil é importante na educação básica e é importante na educação superior.

A ideia do seminário surgiu para aprofundar o conhecimento sobre TICs na educação?
Bianca – A história do seminário é curiosa. A preocupação com as TICs já existia. A faculdade tinha uma consultora em tecnologia educacional, que propunha coisas como cursos para os professores, formações em Moodle, outras ferramentas. Alguns professores aderiam, outros, não. E alguns professores até já fazem um trabalho ótimo há anos… O professor de sociologia, por exemplo, tem o projeto Sentidos da Rua – os alunos vão experimentar a rua e registrar, em áudio, vídeo, texto. E ele coloca tudo em plataformas online. Agora, depois do seminário, o bacana é que estamos formando um grupo de professores da faculdade, que já conhecem e usam tecnologia, para pensar algo para a instituição como um todo. O que eu acho bem melhor. Algo que surge das pessoas.

A adesão à tecnologia não é obrigatória, depende do perfil do professor?
Bianca – Sim. E isso foi interessante. O debate surgiu de um posicionamento contrário ao uso da tecnologia. Um dia um professor que não gosta de tecnologia em sala de aula mandou para o coordenador do curso um artigo da New Yorker falando que celular na sala de aula atrapalha e é ruim. O coordenador copiou todos os professores e os estimulou a se posicionarem. Os professores que usam tecnologia expressaram outros pontos de vista ou problematizaram a abordagem do artigo. Aí virou um debate tão rico, que alguém propôs fazer o seminário e aprofundar essas reflexões. A ideia foi um sucesso. Participaram não só professores, mas alunos da pós e ex-alunos.

Quais foram os principais pontos levantados?
Bianca – Surgiram muitos conteúdos de reflexão bacanas. Houve debates teóricos, com pontos de vista contrários, e relatos de experiências práticas. Uma das coisas ricas que aconteceram foi a participação de alunos. Por exemplo, o professor João Alexandre Peschanky convidou duas alunas para fazer com ele a sistematização da experiência com a Wikipedia em sala de aula [Ver reportagem na revista ARede]. No dia da apresentação no seminário, ele não pode ir porque nasceu sua filha. E quem apresentou o trabalho foram duas alunas, que depois escreveram o artigo junto com ele. Tivemos um ex-aluno de jornalismo apresentando sua pesquisa com games e uma aluna que apresentou o Veduca, onde trabalha atualmente.

O que despertou mais interesse? A discussão pedagógica ou o conhecimento sobre equipamentos e aplicativos?
Bianca – A prática ainda está meio distante. Estamos no momento de uma discussão de fundo mais teórico. Quando havia uma apresentação de case, uso prático, o que gerava mais debate era o que estava por trás daquele uso. Não a ferramenta em si.

Quer dizer que os professores ainda precisam se certificar de que as TICs trazem ganho para a aprendizagem?
Bianca – Isso. A questão metodológica ainda precisa ser bem explorada. Mas o que ficou bem interessante foi a conclusão de que não existe uma resposta pronta. Por mais óbvio que pareça para quem está nessa área há muito tempo, para aqueles que estão chegando agora, não tem nada de óbvio. A maioria das pessoas ainda precisa saber se tem que proibir o uso de celular na sala de aula. Ou… se todos os professores têm que usar o celular na sala de aula. Na nossa perspectiva, não é nem uma coisa nem outra. A gente tem que entender qual é o objetivo pedagógico para depois se perguntar se faz sentido ou não usar tecnologia. Ou seja, ninguém é obrigado a usar e a proibição não cabe.

As principais dúvidas são relacionadas a software ou hardware?
Bianca – Esses professores não são estranhos à tecnologia. São usuários de dispositivos. A preocupação deles é com a metodologia, a pedagogia do uso. Eles não têm medo do equipamento. Não conhecem as ferramentas, é verdade, mas não têm medo de conhecer. O que eles precisam é de ter certeza do bom uso.

Como levar a eles esse entendimento? Quem dá esse passo? A instituição onde trabalham? A secretaria de Educação? Cada um vai atrás por si mesmo?
Bianca – Definitivamente, precisa ter alguém convidando. Precisa de estímulo. Muitas vezes, o professor nem sabe por onde começar… e nem pensa que esse debate pode te ajudar com questões que já aparecem na sala de aula. Depois do seminário, eu conversei com diversos colegas que diziam “não sei o que eu faço, os alunos não se interessam, não ouvem o que eu falo…” Lógico que esse não é um debate sobre tecnologia, é um debate mais amplo. Mas a tecnologia pode ajudar. Tanto a pensar que você, professor, não é mais o centro, não é o detentor do saber. A gente precisa pensar a sala de aula como rede. É tão importante quanto pensar que há várias plataformas e recursos tecnológicos que podem ajudar nisso.

Que tipo de apoio o professor precisa de apoio para começar ou para qualificar o uso das TICs?
Bianca
– A sensação que eu tenho é de que esse processo é gradual. É fundamental ter uma referência, mas não pode ser impositivo. Tem que ser no tempo de cada professor. E ele precisa saber a quem recorrer, precisa de sugestões. As experiências mais bem-sucedidas que vemos são onde exite um grupo de apoio, núcleos de tecnologia educacional. Alguém que vai entender a proposta dos professores e propor a tecnologia de apoio.