Os estudantes se organizam em clãs e precisam dar conta de desafios que são como missões. Essas tarefas possibilitam ampliar o nível de experiência (conhecido pelos gamers como EXP ou XP) e de aprendizagem, dentro do contexto de gamificação, cada vez mais presente no ensino superior. Essa é uma das perspectivas abordadas nas atividades chamadas Cognição em Jogos Digitais e Contextos em Jogos Digitais, praticadas nas disciplinas que incorporam características de jogos multiplayers. A iniciativa é do Grupo de Pesquisa Educação Digital (Gpe-dU Unisinos- -CNPq), ligado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos, em parceria com a graduação em Jogos Digitais.
A experiência, que começou em 2014, hoje também está aberta para outros cursos, como pedagogia, e alunos de mestrado e doutorado em educação. Na primeira turma, os responsáveis foram Eliane Schlemmer, coordenadora e pesquisadora do Gpe-dU, e Fernando Marson, coordenador do curso de graduação de Jogos Digitais e também pesquisador do GPe-dU. A docência compartilhada deu o dinamismo necessário para percorrer um terreno pedagógico quase desconhecido, em encontros muito mais interativos e colaborativos.
Os estudantes se organizam em clãs e precisam dar conta de desafios que são como missões. Essas tarefas possibilitam ampliar o nível de experiência
“No primeiro encontro, perguntamos aos estudantes: como vocês aprendem a jogar? Eles olharam com certo estranhamento, mas responderam: “jogando, ué”, conta Eliane. É dessa forma, diz ela, que a nova geração se relaciona com o conhecimento: experimentando, vivenciando situações instigadas por desafios, buscando soluções na prática. No entanto, alerta a professora, a lógica das escolas e das universidades costuma ser diferente, em função de um conhecimento já consolidado, que se acredita ser necessário transferir para os estudantes. “Muitas vezes não se cria uma situação, cuja informação é necessária, o que possibilita aos sujeitos atribuir sentido à informação, significar, portanto, aprender. Isso, para a atual geração, é o mesmo que dizer: primeiro, leia todo o manual do jogo, só então estará apto a jogar. E era justamente com essa lógica que queríamos mexer”, diz a educadora.
Em uma das missões, os estudantes se depararam com games que nunca tinham jogado. O objetivo era que jogassem, enquanto outros colegas os observavam, em um sistema de revezamento. Assim, observavam as estratégias utilizadas pelos colegas para superar os desafios. Como missão final, deviam entregar um produto — um jogo digital, analógico ou híbrido, um processo gamificado ou ainda uma narrativa interativa, cujo pano de fundo fosse a cognição. Para realizar essa missão, precisavam conhecer determinada teoria que, longe de ser simplesmente sugerida pelos professores, envolvia os estudantes em um verdadeiro jogo na vida real.
“Espalhamos pelo campus uma série de pistas em QR Code, relacionadas às principais teorias da cognição. Os estudantes precisavam encontrar essas pistas, decifrá-las e descobriro que fazer a seguir”, explica Marson. Durante o desenvolvimento das missões, foram surgindo as “pistas vivas”, pesquisadores estudiosos das teorias e que, em encontros presenciais ou por webconferência, trabalhavam aspectos específicos de cada uma. No entanto, as teorias não eram nominadas, pois um dos desafios era justamente que os integrantes do jogo identificassem qual teoria estava sendo trabalhada pela pista viva. Os grupos então utilizavam os conteúdos descobertos nas pistas (QR Codes) e pistas vivas, além da busca nos meios digitais) como elementos possibilitadores da construção da missão final. Essa descoberta também não era revelada para os colegas, porque identificar as teorias e seus respectivos autores, utilizados nos outros projetos, era parte da avaliação. Um grupo no Facebook facilitou a troca de informações e o compartilhamento de experiências durante o processo.
A nova dinâmica superou as expectativas. “Os estudantes não queriam nem saber quais eram os critérios de avaliação. Diziam que estavam gostando de dar o máximo, mesmo sem saber como seriam avaliados. Para eles, fazia parte do desafio, do jogo”, admira-se Fernando. Ao desenvolver cada missão, os estudantes “desbloqueavam” determinados achivements, só então ficavam sabendo que tinham atingido os objetivos daquela missão na disciplina. O dinamismo da experiência impactou até a rotina dos professores: além do planejamento normal, necessário a qualquer disciplina, os dois se reuniam após cada encontro com os estudantes para analisar o processo, o feedback dos estudantes e, a partir daí, organizar as missões seguintes.
A partir do processo vivenciado e dos resultados obtidos, uma nova atividade surgiu em 2015, ministrada pelo professor Vinícius Cassol: Contextos em Jogos Digitais. A proposta é estudar a forma como os jogos estão inseridos em diferentes contextos da sociedade e, caso não estejam, qual poderia ser a sua contribuição para determinado contexto. Foi criada uma narrativa inicial semelhante à de muitos games, que menciona um clã denominado ReViR (Reino da Virtualidade Real), que luta para transformar uma realidade social em colapso, atravessada por uma profunda crise de valores, de ética, que se instaura em diferentes contextos como política, saúde, educação, entre outras. Temas como protestos participativos populares, impostos, diálogo inter-religioso e a vida de cadeirantes estão sendo tratados pelos clãs na construção de jogos, inspirados pela perspectiva proposta pelo game for change, que busca criar jogos a partir de problemáticas sociais.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)
Instituição privada
Mantenedora: Associação Antônio Vieira (ASAV)
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Aqui, todas as reportagens do Anuário ARede 2015 – Boas práticas do uso de TICs no ensino superior