Há quem achasse que não ia mais ter que sair da toca para defender seus direitos, cuidar da nossa jovem democracia. Os tempos que vivemos mostram que mais uma vez vamos ter que sair do sofá, abrir a porta pra rua, botar a boca no mundo, trilhar trincheiras virtuais. E é bom começar logo!
Não podemos passar por distraídos e deixar que a cada dia tirem um pedaço da nossa democracia.
Educar, em tempos de contradições extremadas, de um cá e outro lá, é recuperar cada espaço de conversa, optar por construir novos cenários, compartilhar e dividir as responsabilidades.
Não importa se você é um educador que está na escola formal ou o que ensina na escola da vida.
Nossa tarefa em tempos como esses é de trabalhar solidariedade, respeito, generosidade. Em momentos onde tudo que é sólido se desmancha no ar, educar é criar ambientes e situações em que todos e todas possam construir sua intimidade com a democracia e encontrar o seu jeito de participar.
Não podemos ficar assistindo o país oscilar entre o presidencialismo de coalizão e o parlamentarismo de coação. Gabriel Prioli definiu muito bem.
Se há algo que não tem cabimento é assistirmos de longe o que em nosso nome é feito. Quando nos acomodamos a esse ponto, certamente algum algoz virá usurpar nosso direito de agir como cidadãos.
É chegada a hora de refletir: quem virá conosco? Com quem posso contar para retomar ações e reconstruir movimentos.
Erram os que acham que a troca deste por aquele pode mudar o país. Não muda nem a grama do seu quintal.
Os agentes da mudança somos nós. É hora de refazer compromissos com nossas causas e utopias.
A tarefa não é pequena e nem deve ficar esmagada entre momentos eleitorais.
Ocupar cada pedacinho do nosso país, cada escola, cada rua, cada parque, com ações e atividades democráticas é a única forma de sabermos o que não queremos perder: liberdade para agir, pensar, amar, aprender, ensinar, intervir, mixar, tornar feliz e ser feliz.
Movimentos ou instituições que fiquem apartados dos cantos onde nosso país acontece vão se surpreender com uma insólita solidão.
Se você acredita que devemos ir além de criar fatos que se esboroam, que não basta ter truques na manga para derrotar ou vencer, se queremos algo que perdure e que sirva a toda população, é hora de agir.
Vou usar como exemplo a Oficina Nacional de Inclusão Digital e Participação Social. Talvez muitos de vocês nem saibam do que se trata. É um evento que se realiza desde de 2001, e que aglutinou aqueles que entendiam que a população toda devia ter o direito de conhecer e se apropriar das novas tecnologias de informação e comunicação, que o acesso ao mundo articulado em redes não era pra poucos e que conhecimento compartilhado colocava o futuro nas nossas mãos.
Uma marca que atravessou as oficinas realizada de 2001 até 2013 para discutir inclusão, criar e formar novas habilidades, incentivar o controle social e a participação nos programas e projetos que foram se esparramando por todo território, foi a interlocução com aqueles que estão espalhados por todo Brasil fazendo um trabalho persistente de educadores. A Oficina Nacional só tem sentido acontecer se servir para aquele educador ou educadora que cobre lacunas, que atua na beira da estrada, no meio da floresta, no pátio da fábrica, nas escolas, nas garagens e salões comunitários das milhares de entidades e associações.
O resgate desses agentes de inclusão e cultura é o que pode oxigenar o debate. Temos que fazer juntos cada passo do percurso.
Temos que, ombro a ombro, recolocar de pé os movimentos que defenderam o avanço da inclusão digital, que espalharam pontos de cultura por todo país, que resistiram nos pontos de mídia livre, que fizeram o jornalismo do real, e criaram formas próprias, alternativas de cobertura e divulgação das ações populares. Foram essas criaturas coletivas que fizeram o contraponto e ofereceram a versão dos oprimidos, dos que foram calados, dos que foram violentados em todos os seus direitos.
É com essa gente toda que temos que cuidar de olhar o que querem os que querem mais acesso, o querem os que buscam novos saberes e convivência com as novas tecnologias.
É mais do que hora de reinventarmos nossas causas.
Realizar uma Oficina Nacional de Inclusão Digital e Participação Social só terá sentido se olharmos para cada cidade, cada estado, cada região do país. Levar para mais perto de todos as possibilidades de formação, criação, troca de experiências, debates e elaboração que só vinham acontecendo na Oficina Nacional.
Vamos botar os pés no chão e enfrentar o sucateamento das políticas públicas de inclusão e cultura digital, mobilizando a partir de cada ponto e em cada ponto do Brasil; vamos ampliar e democratizar essa conversa.
Gastar tempo para construir etapas regionais é vital para inventar a nova cara do que queremos. E, aí sim, consolidar essa construção numa Oficina Nacional.
Delinear novos contornos e costurar novas roupagens a partir da diversidade e mobilização regional será uma garantia para que o movimento exista, resista e permaneça.
E a urgência dessa retomada não é só dos que militam pela inclusão e na cultura digital, é necessidade de todo e qualquer cidadão. Ou reanimamos nossas fileiras ou corremos o risco de cada vez mais falarmos para convertidos; ou pior, falarmos com convertidos frustrados.
Quem achar que estará bem aquietado em suas comodidades, que ponha as mão na cabeça, pegue suas chinelas e comece a conversar.
A hora é essa: ou construir democracia com cada um de nossa gente, a todo momento, a cada dia, ou desistir de fazer história e de ser livre.
Beá Tibiriçá é “artivista”, diretora do Coletivo Digital e militante da inclusão digital, cultura livre e software livre.