Não há receitas prontas. É preciso metas claras e planos sustentáveis. E é preciso avaliar resultados.
Esse foi o principal recado – implícito e por vezes declarado – de alguns dos mais interessantes painelistas do evento Transformar, ocorrido dia 25 de agosto em São Paulo, realizado por Fundação Lemann, Inspirare e Instituto Península.
O gestor que tem à sua frente a missão de implementar ou aperfeiçoar programas de uso de tecnologias nas escolas terá de fazer escolhas acertadas e criar caminhos pertinentes ao contexto da rede ou da escola que dirige. Isso implica conseguir estabelecer uma proposta pedagógica a serviço da qual estejam as tecnologias. E não o inverso. E não tudo desconexo. Portanto, a escolha vai de didáticas, currículos, formações até soluções de infraestrutura (afinal, tudo precisa funcionar, certo?).
A boa notícia é que há um enorme menu de soluções desse tipo sendo implementadas, avaliadas e aperfeiçoadas em todo o mundo. Não vale copiar, mas pode remixar. Ou seja, se inspirar, adaptar, reescrever com o sotaque local.
Para um menu degustação, selecionamos três apresentações que ocorreram no Transformar, em seu terceiro ano, e que sempre traz uma boa quantidade de experiências, a maioria de outros países. Fizemos uma seleção de cases com enfoques variados, que passam por inovações radicais e novos paradigmas de ensino, por inovações incrementais em gestão de sala de aula, e por políticas de acesso à internet rápida.
Acesso à internet rápida
O painel “Como conectar todas as escolas à internet rápida?” reuniu os responsáveis pelos programas dos Estados Unidos, Malásia e Uruguai, que apresentaram soluções completamente distintas. Os EUA adotaram um caminho que dá autonomia aos governos locais para contratação de fornecedores de TI de cada região a partir de parâmetros desenhados pelo governo federal, por meio da escuta das necessidades dos gestores locais de educação. A Malásia optou por um único fornecedor no país, capaz de agilizar a entrega de tecnologia às escolas, incluindo as situadas na selva. O Uruguai se organiza a partir de um amplo programa (Ceibal) que já nasceu com uma parceria estruturante com a empresa estatal de telecomunicações do país (Antel). Todos sonham com a situação ideal “fibra ótica na porta da escola”, mas até lá construíram soluções que integram de maneira satisfatória o desenho de práticas pedagógicas e tecnologias suficientes para que tais práticas ocorram. São três casos que apontam caminhos viáveis em contextos muito distintos de infraestrutura tecnológica.
Cultura maker e novos paradigmas
Há várias iniciativas relacionadas à cultura maker no Brasil e no mundo. O movimento maker é um movimento global cujo modelo mental (mindset) é baseado em um tipo de aprendizagem que integra a construção de artefatos e o uso de tecnologias à elaboração da experiência de aprendizagem. Makers são criativos, aprendem primeiro experimentando e errando e, depois, buscando e aplicando conceitos para aperfeiçoar e criar soluções. Makers têm um tipo de organização de pensamento/ação na qual se compartilha conhecimento de forma horizontalizada e em contexto. Ou seja, quando temos uma experiência concreta e soluções reais vividas na feitura de um robô, por exemplo, teremos muito mais aproveitamento e uma relação muito mais crítica e pessoal com conceitos da robótica, eletrônica e outros campos do conhecimento que mobilizamos para a construção de um robô e mesmo para o pensamento abstrato.
O Transformar trouxe uma das experiências que mais valem a pena ser estudadas no mundo. O Transformative Learning Technologies Laboratory (TLTL), dirigido pelo brasileiro Paulo Blikstein na Stanford University School of Education, especialmente porque são muito bem fundamentados do ponto de vista acadêmico e com enfoque específico na educação. Importante também conferir como o Lab vem inovando nas formas de avaliar os resultados de aprendizagem dos alunos imersos na cultura maker, pois trata-se de um case de avanços e inovações na própria avaliação da inovação. O fato de o Lab ter um caminho trilhado nessa direção pode ser um grande apoio para implementação de inovações desse tipo em outros contextos. Vale também conhecer as chamadas “garagens” onde se fazem artefatos baseados em Arduino, por exemplo, os FabLab brasileiros, e as iniciativas que se autointitulam “gambiarra digital”, que são experimentações de construção de artefatos tecnológicos com sucata e reaproveitamento de materiais eletrônicos e microprocessadores.
Invertendo a gestão da sala de aula
Algumas experiências de ensino híbrido apresentadas no Transformar tornaram muito tangíveis a possibilidade de que alunos usem tecnologias para pesquisas e realizem trabalhos mais colaborativos e interativos em sala de aula, problematizando conteúdos previamente estudados. O enfoque aqui é a autogestão do conhecimento, a troca entre estudantes e um uso distinto do tempo e do papel do docente em sala de aula. A adoção do ensino híbrido e da chamada sala de aula invertida, ou “flipped classroom”, com uso de plataformas digitais, é um dos tipos de inovação em educação que vem sendo fortemente apoiada pela Fundação Lemann e pelo Instituto Península por seus investimentos na Khan Academy em português, em formações de docentes e em publicações.
Conhecer a experiência apresentada no evento pelo professor Eric Rodrigues pode ser interessante que mostra resultados de melhoria de engajamento e de aprendizagem dos alunos ainda que atue isoladamente na Escola Municipal Emílio Carlos, que permite que o professor desenvolva seu método próprio mas ainda opta por um ensino mais tradicional. Ou seja, essa experiência propicia uma visão bastante pontual de resultados possíveis em sala de aula, com implantação de custo baixo – o que pode ser interessante para quem quer iniciar uma experiência rápida, do tipo tira-teima, sem grande investimento além da formação docente e alguma disponibilidade de tecnologia.
Embora as experiências aqui apresentadas tenham naturezas muito distintas, têm um ponto em comum que as fizeram especiais: são únicas e foram pensadas de forma integrada. É bastante claro, ao ouvir cada uma dessas experiências, que seus gestores têm uma visão integrada entre inovação, tecnologia, educação e viabilidade de solução. E isso é o que melhor se pode aprender delas.
Para a “leitura” dessas experiências mas, principalmente, para a definição das escolhas para adoção de tecnologias em educação propomos quatro perguntas-guias: 1. O que é importante que nossos alunos aprendam? 2. Como queremos que os docentes apoiem tais aprendizagens? 3. O que consideraremos sucesso a cada etapa de implementação de um programa? 4. Quais as viabilidades técnicas, políticas, econômicas e de cultura institucional do meu contexto? E damos a dica de ouro: defina estratégias de participação (de verdade) da rede em cada solução. Tudo bottom up. Se for top down, é fracasso garantido.
Finalmente, fechamos com uma das falas mais potentes de um dos painelistas, ao relatar como motiva sua equipe a encontrar as soluções mais adequadas: “A equipe somos nós”. Sim, a equipe somos nós. Mas ninguém está sozinho. Há muitos iguais para quem pedir e oferecer informações e com quem trocar experiência. O gestor que ficar fechado em seu gabinete fará escolhas estéreis.
Para conhecer o programa ConnectED Initiative (EUA)
Para conhecer o programa 1BestariNet (Malasia): http://ytlcomms.my/en/1BestariNet.aspx
Para conhecer as publicações sobre o Plano Ceibal (Uruguai): http://www.anep.edu.uy/anep/index.php/publicaciones-2
Para conhecer o TLTL: https://tltl.stanford.edu/about
Para conhecer a experiência do professor Eric Rodrigues:
http://porvir.org/ensino-hibrido-transforma-aula-de-historia-rio-de-janeiro
Dicas de laboratórios maker no Brasil: http://porvir.org/laboratorios-criam-ambiente-para-aprendizagem-maker
Marcia Padilha e Adriana Martinelli são empreendedoras da MEIO, educadoras e articuladoras de inovações na educação.