No mês passado, escrevi por aqui sobre os movimentos abertos, com destaque para a ciência aberta. Foi uma primeira provocação para abrir o mês de julho, pois já sabia que teríamos um conjunto de atividades que retomaria o tema, direta ou indiretamente. Aqui da Bahia, comemoramos o 2 de Julho, data da sua Independência (e do Brasil), dia celebrado pelos baianos com muita festa, euforia, participação popular e, claro, muita reivindicação política. Nessa data, em 1823, os baianos expulsaram os portugueses, declarando a independência da Bahia – o que abriu caminho para a efetivação da independência do Brasil. O 2 de Julho passou a ser data cívica nacional a partir de 2013, com o projeto de lei 6.576/2006 da deputada baiana Alice Portugal. Um projeto muito bacana, realizado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac), do governo da Bahia, em parceria com a turma da Oi Kabum, é a Galeria 2 de Julho, onde encontrarmos fotos das celebrações da data, produzidas por jovens fotógrafos. A orquestra Neojibá e o cantor Tatau gravaram o hino que celebra a data.
Depois do 2 de Julho, tivemos o 16º Fórum Internacional do Software Livre (Fisl 16), que ocorreu na PUC do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS) e, depois, a 67ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em São Carlos, no interior de São Paulo.
Em ambas apareceram, de forma muito intensa, os temas da ciência aberta, das políticas de informação científica, a governança da internet, especialmente com os debates sobre o Marco Civil da Internet.
Para fechar o mês, completando a rodada que engrandeceu o nosso julho de 2015, tivemos o 5º Fórum da Internet no Brasil, organizado pela Comitê Gestor da Internet (CGI) . O Fórum é uma iniciativa do CGI desde 2011, e já foi realizado em diversas cidades do país. Destaco a fundamental política de financiamento para que representes da sociedade civil e academia possam efetivamente participar dos debates. Essa é uma acertada política que garante a igualdade de participação em relação àqueles que têm condições financeiras para de deslocarem até o Fórum e, com isso, influenciar nas decisões coletivas tomadas nos encontros.
Em todos os três eventos que mencionei, e aos quais estive presente, tenho insistido na necessidade de uma forte articulação das políticas públicas, superando aquilo que venho denominando de políticas públicas esquizofrênicas. Ou seja, cada ministério ou secretária estadual desenvolve sua política e uma não fala com as demais.
No Fórum da Internet insisti que “para conectar o próximo bilhão na internet, necessitamos de políticas públicas conectadas!”
Isso porque, em última instância, o que queremos é uma internet que favoreça a participação cidadã de todos e, para tal, precisamos de uma banda larga que seja de fato larga, isto é, não podemos nos satisfazer com qualquer conexão. Precisamos de uma banda larga que possibilite a toda a sociedade e não só àqueles que podem pagar privadamente por isso usufruir plenamente da rede, utilizando-a com todos os suportes (texto, áudio, vídeo, simulações etc). A Federal Communication Commisions (FCC), este ano, passou a definir como banda larga as conexões de mais de 25 Mbps, subindo dos antigos 4 Mbps, que era a velocidade mínima para uma conexão ser considerada larga.
Claro que esse patamar mínimo é variável no tempo, uma vez que aumentam as possibilidades de atividades via rede e, cada vez mais, com a chamada internet das coisas, isso será ampliado e precisa ser acompanhado pelas políticas públicas.
Sabemos que não conseguiremos, num prazo curto, dotar todas as residências, independente de classes sociais, com esse patamar de velocidade. Por isso insistimos na importância de se pensar nos espaços públicos como privilegiados para a chamada inclusão social e digital. Aqui, destaque há de ser feito para as escolas e os espaços comunitários (Pontos de Cultura, associações comunitárias, praças, entre outros).
Para que isso aconteça, não podemos nos contentar com uma internet onde sejamos dominados pelos apps que nos permitem apenas fazer o que lá está programado. Mais do que tudo, não podemos aceitar que as políticas chamadas de inclusão digital sejam realizadas a partir de uma camada privada de infraestrutura ou plataforma — a exemplo de projetos como os que agora vemos anunciados (sem no entanto muita precisão sobre o que está sendo negociado) pelo governo brasileiro e pelo Facebook.
A construção dessas políticas públicas demanda uma ampla participação da sociedade nas suas definições, e isso tem que ser feito desde o começo! Por isso o tema da liberdade e, aí, é fundamental fortalecer, de forma explícita e indutiva, o software livre e, mais ainda, as políticas industriais, científicas e tecnológicas que favoreçam o desenvolvimento, a criação e a disseminação de hardwares livres.
Foram muitas as manifestações saídas do Fórum da Internet no Brasil e todo esse material já está disponível no site do Fórum/CGI.
Destaco aqui a carta aprovada e assinada por diversas entidades presentes ou não no Fórum em Salvador, onde os signatários afirmaram, com todas as letras, ser “necessário impedir que novas iniciativas de regular o uso da rede deturpem os princípios e as garantias já estabelecidos, os quais foram amplamente discutidos com toda a sociedade”. Termina a carta defendendo “a internet livre como uma rede preciosa à criação colaborativa, à liberdade de expressão, à mobilização social e ao fortalecimento de diversos direitos fundamentais, como a comunicação, a cultura e o acesso à informação, com atenção à pluralidade e à diversidade para empoderar mulheres, jovens e o midialivrismo étnico-racial nacional e internacional.”
“Nunca mais o despotismo regerá nossa nação. Com tiranos não combinam, brasileiros corações”, diz o hino ao 2 de Julho. Trazemos para cá o nosso hino. Não queremos nossa internet como mais uma forma de colonização. Liberdade para a nossa internet!
Nelson Pretto é professor Titular (e ativista) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Secretário Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC – Bahia). Membro da Academia de Ciência da Bahia. Foi diretor da Faculdade de Educação da UFBA (2000 a 2008).