Órgão normativo, consultivo e deliberativo do sistema de ensino de São Paulo, o Conselho Estadual de Educação (CEE) é o responsável pela deliberação obrigou as instituições de ensino superior do Estado a destinar 30% da carga horária dos cursos de formação de professores para disciplinas pedagógicas. Esses cursos são licenciaturas que formam professores para atuar nos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio. A medida, que vem sendo implantada desde 2012, visa minimizar o problema da formação essencialmente teórica daqueles que vão sair da faculdade e ficar à frente de dezenas de alunos em uma sala de aula. “Não vamos dar o salto qualitativo necessário para a educação do século 21 se não melhorarmos a formação dos professores”, alerta Francisco José Carbonari, presidente do conselho para a gestão 2014-2015. Nesta entrevista exclusiva, o educador, que foi secretário de Educação de Jundiaí (SP), conta quais as principais pautas do CEE de São Paulo.

Qual é o papel do Conselho Estadual de Educação de São Paulo?
portal-arede-educa-francisco-Carbonari-01Francisco Carbonari – O sistema público estadual de educação é composto de escolas, um órgão gestor executor e um órgão normatizador. Isso tudo é amarrado por um conjunto de leis. Em São Paulo (SP), o órgão gestor é a Secretaria de Educação e o órgão normatizador é o Conselho Estadual de Educação (CEE), que atua na educação básica, dando as regras para o funcionamento do sistema. Por exemplo, se alguém quiser abrir uma escola, quem vai autorizar a abertura será a diretoria de ensino. Mas quem vai dizer o que é necessário para abrir a escola é o Conselho. Já no ensino superior, o CEE é um órgão regulador, em âmbito municipal e estadual – isto é, abriga todas as instituições de ensino superior municipais, que são mais de 30, todas as universidades municipais, mais de 5, e as universidades estaduais [USP, Unicamp e Unesp]. Nesse caso, o conselho não só normatiza como opera. É o Conselho que faz o processo de autorização da escola, o reconhecimento dos cursos, que resolve as dúvidas. Muitas vezes o CEE é confundido com um conselho de controle social, como há muitos no Brasil. A educação tem alguns conselhos de controle social. Conselho da merenda, do Fundeb, esses são de controle social. O Conselho trabalha mais na linha de regulação. Um papel do CEE que eu considero relevante é fixar posições doutrinárias sobre as principais questões da agenda educacional. O conselho é que estabeleceu, por exemplo, a progressão continuada e a forma como os componentes curriculares devem ser tratados no estado. Fixa posições sobre questões conjunturais.

Quais são as grandes questões educacionais em pauta, hoje, no estado?
Carbonari – Na Câmara de Educação Superior, o foco é a formação de professores. Não vamos dar o salto qualitativo necessário para a educação do século 21 se não melhorarmos a formação dos professores. Essa é uma das questões prioritárias. Por isso, em 2012 o CEE-SP começou a desenvolver uma nova norma para enfocar um problema fundamental, que é o fato dos nossos cursos serem muito teóricos. A professora Guiomar Namo de Mello, ex-presidente do Conselho, costuma usar uma figura que eu acho muito interessante. Ela diz: imagine se em um curso de medicina nós tivéssemos como disciplinas história da medicina, sociologia da medicina, filosofia da medicina e o médico nunca entrasse em um hospital. Pois então, é assim com os nossos professores. A gente tem se preocupado muito com essa desvinculação da prática.

Então é uma problema dos currículos do ensino superior?
Carbonari – Então, os professores especialistas normalmente são formados em cursos de bacharelado. São os professores de áreas específicas como ciências biológicas, educação física, letras etc. Esse indivíduo faz, por exemplo, um curso de matemática, na faculdade de matemática. Depois complementa com algumas matérias pedagógicas (que ele odeia fazer) e se torna professor. Isso contraria as boas experiências internacionais que acontecem hoje. Nós perdemos uma batalha com a Lei de Diretrizes e Base (LDB), que foi a do curso normal superior e dos institutos superiores de educação, que eram um lócus dentro da estrutura universitária onde você formava o professor. Hoje formamos o especialista com uma formação insuficiente sobre pedagogia. Quando nós deveríamos primeiro formar o professor e depois dar a especialidade. No curso de pedagogia, a formação é exageradamente ampla: formamos o professor para a creche, o professor para a pré-escola, o professor alfabetizador, o de 1º ao 5º ano, o diretor de escola, o supervisor de ensino, o coordenador pedagógico, em quatro anos. Então, forma o quê?

O que determina a norma que pretende mudar esse cenário?
Carbonari – A questão é complexa porque o Conselho não tem competência para atuar sobre as IES privadas, que pertencem ao sistema federal, e são as que formam o maior número de professores da educação básica. A nossa norma vale somente para as municipais e estaduais.

Todos os cursos superiores de formação de professores de São Paulo devem seguir essa norma? Como as instituições responderam a essa mudança?
Carbonari – As instituições sob a nossa alçada, sim, foram obrigadas a adaptar seus currículos. Com as instituições municipais, faculdades integradas e os institutos isolados, a transição ocorreu de forma mais rápida. E com as universidades, a questão foi mais complexa pela própria estrutura e pelas relações existentes entre os vários departamentos. O projeto foi muito discutido com todos, recebemos muitas sugestões que foram incorporadas ao projeto, mas não abrimos mão daquilo que era essencial, como os 30% de disciplinas pedagógicas. Neste momento, a maioria dos cursos de licenciatura das nossas universidades já adaptou os seus currículos.

Para adequar o currículo foi preciso fazer alterações no corpo docente?
Carbonari – Essa foi uma das preocupações das universidades. Temiam ter de contratar mais professores. Mas não era o caso.

E na educação básica, quais são as principais questões em debate?
Carbonari – Existe uma questão permanente que é a qualidade do ensino ministrado, mas temos algumas questões pontuais em debate, como a educação profissional, que está se expandindo e demanda regras mais adequadas. Outra questão é a educação a distância para o ensino básico. Ensino a distância (EAD) é uma coisa boa? É ótima! Tem que ser estimulada? Tem. A EAD que a gente faz é boa? Não, é ruim. Nós temos problemas. Mas eu acho que, se tem quem compra, tem quem vende. Enquanto a sociedade demandar um papel, ou seja, um diploma, as pessoas vão procurar o papel. Quando a sociedade demandar conhecimento, as pessoas vão procurar conhecimento.

O senhor pode explicar melhor essa ideia?
Carbonari – Vou dar um exemplo. Acabei de receber um sindicato de trabalhadores preocupado com a qualidade dos profissionais de segurança no trabalho que estão sendo formados, que não são competentes, e na opinião deles não atendem as necessidades do segmento. Pois bem, existe uma lei que obriga toda empresa, de determinado tamanho, a ter um desses profissionais. As empresas, na maioria, contratam o técnico não para atender as questões de segurança, mas para atender essa lei. E o que precisa para atender a lei? O papel. O diploma. Eles contratam quem tem o papel. Aí, o que as pessoas vão buscar? O diploma. Ninguém pergunta onde você fez o curso, o que você estudou, onde fez estágio. Isso vale pra várias profissões. Do outro lado da moeda, estão as profissões que não funcionam desse jeito. As escolas de computação, por exemplo, têm o problema que os formandos não vão buscar o diploma. Porque, nessa área, quando você vai pedir emprego, o empregador fala: senta e faz. Se você sabe, é contratado; se não sabe, não é contratado. Não importa de onde é o seu diploma. Essa é uma demanda por conhecimento, não por papel.

Voltando à EAD, quais são as necessidades de normatização?
Carbonari – A EAD, em tese, não tem limites territoriais. É diferente de uma escola física. A atual norma diz que cada estado pode ter regulamentação própria. Então, o que acontece é que, por exemplo, as escolas autorizadas em São Paulo não podem atuar no Rio de Janeiro. O problema é que os critérios nos estados são bastante diferentes. Alguns estados, como é o caso de São Paulo, são bastante rigorosos. Outros, nem tanto; outros, nada exigentes. Daí cria-se uma situação muito complicada. Você vê anúncios nos postes: diploma de nível médio em um mês. Só tem um número de celular, que é de um agenciador de escola de outro estado. Hoje há uma pressão muito grande aqui porque São Paulo tem uma clientela grande.

Se o curso cumprir os critérios de qualidade não pode ser autorizado a operar aqui?
Carbonari – Não é só cumprir os critérios. Para atuar em São Paulo, a empresa tem de ter sede e CNPJ em São Paulo.
Porque a questão é: quem valida e quem certifica? O órgão certificador tem de ser do local onde são feitos os exames.

Como se resolve isso?
Carbonari – Há uma grande discussão em torno desse problema. O Conselho Nacional de Educação também está pensando sobre isso. Porque há muitas denúncias nos estados. A escola agencia em um estado, faz o exame e certifica pra outro estado. O Ministério Público tem nos questionado sobre isso, tem ocorrido até casos de polícia, escolas foram fechadas. E quando você fecha escola é complicado. O que fazer com os alunos? Por isso, estamos discutindo formas que não desvalorizem a importância da EAD e, ao mesmo tempo, garantam sua qualidade.