Os critérios para liberar o acesso de estudantes à internet ainda gera polêmica nas escolas. Especialistas recomendam evitar as restrições e investir na preparação dos estudantes, dos professores e também dos pais para que os riscos não prejudiquem os benefícios das tecnologias. Afinal, ninguém deixa de ir à aula porque pode ser atropelado ao atravessar a rua. Existem boas formas de lidar com a questão.
No Uruguai, que conectou todas as escolas – urbanas e rurais – com banda larga, pelo Plano Ceibal, a opção foi por restringir o acesso a sites com conteúdo reconhecidamente nocivo às crianças, como aqueles destinados à pornografia ou com excesso de violência. Basicamente, a política de controle abriga três listas básicas. A primeira é a de sites bloqueados, que são revisados permanentemente, e aos quais os estudantes nunca têm acesso. Uma segunda lista é dos sites aos quais os estudantes sempre terão acesso, independente de palavras-chave teoricamente problemáticas terem aparecido – é o caso de sites de imprensa, educativos (.edu) e de páginas governamentais (.gov e .gob).
Assim, mesmo que apareça um conteúdo com uma combinação de palavras consideradas problemáticas, como “pornografia infantil”, o acesso, nessas páginas, é permitido. Ou seja, quando uma palavra combinada com outra demonstra caráter educativo, não se filtra. Mas, quando a combinação demonstra um conteúdo nocivo, a página é bloqueada. Por enquanto, o sistema do Ceibal não faz análises de imagens, apenas de textos.
No entanto, as crianças uruguaias, que recebem os computadores do Estado, não estão sujeitos a filtros quando fazem uso dos computadores – apelidados de Ceibalitos – em casa ou em outras localidades fora da escola. Os responsáveis pelo Plano, que declaram não ter intenção controlar tudo que as crianças fazem, afirmam que investem no treinamento de professores e de pais para que orientem seus alunos e filhos para uma navegação segura.
“Quando eu era criança, os pais ensinavam a não falar com estranhos e a não aceitar presentes de estranhos. Agora é a mesma coisa, mas eles precisam dizer para não abrir arquivos de estranhos, não enviar fotos a estranhos, não conversar com estranhos”, diz Gonzalo Pérez Piaggio, gerente geral do Plano Ceibal.
Gisele Cordeiro, coordenadora da plataforma educacional aberta Educopedia, desenvolvida pela Secretaria de Educação do município do Rio de Janeiro, acredita que o acesso de estudantes à internet deve ser livre na escola, mas a navegação deve ser, sempre que possível, acompanhada pelos professores. “Não adianta bloquear na escola e, quando o aluno chega em casa, sozinho, vê ou posta coisas inapropriadas e até interage com pessoas mal intencionadas. O ideal é educar para lidar com os riscos”, reforça.
As escolas públicas municipais do Rio tinham servidores que gerenciavam o conteúdo acessado nos laboratórios de informática. Porém, quando os alunos começam a usar dispositivos móveis, essa prática foi sendo deixada de lado. Para Mario Viola, consultor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) do Rio de Janeiro, a escola tem, sim, responsabilidade ao permitir o acesso à rede e, por isso, o ideal é bloquear o acesso a sites com conteúdo notadamente nocivo às crianças. Mas Viola também entende que restringir demais o acesso pode ser improdutivo.
“As escolas proíbem o acesso a redes sociais. Mas aí o aluno usa a rede 3G do celular ou do tablet”, ressalta. Na verdade, com uma busca rápida no Google, qualquer um encontrará diversas formas de burlar filtros. Muitas páginas são voltadas a crianças e adolescentes que têm acesso bloqueado a redes sociais nas escolas.
Atenção à privacidade
Em ano de regulamentação do Marco Civil da Internet, a lei considerada a Constituição da web no Brasil, esquenta o debate sobre como são tratados os dados dos usuários, e um dos focos são os estudantes que utilizam as redes das escolas. Isso porque as escolas podem monitorar o acesso dos alunos à web. O Marco Civil determina que qualquer tipo de monitoramento de dados de usuários nas redes requer o consentimento expresso do usuário. No caso escolar, é preciso o consentimento dos pais ou dos responsáveis pela criança ou pelo adolescente.
A própria instituição de ensino, no entender de Viola, deve ter um documento explicativo do uso dos dados dos usuários e do tratamento dado à privacidade. “É um passo importante no processo de educação para as redes. Por exemplo, depois que o aluno sai da escola, os dados de acesso permanecem armazenados ou são apagados?”, questiona o especialista.
Hoje, os questionamentos e as fiscalizações do tratamento dos dados de usuários na rede ainda é incipiente. Mas, avalia Viola, no momento em que a sociedade brasileira amadurece seu entendimento da internet e de seus direitos de privacidade, as instituições que controlam redes deverão ser cobradas.