Equipe da Universidade Federal do Piauí

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Liliane Maria Santana
Especial para o portal ARede Educa

Ao completar nove anos, a Brasil Game Show (BGS) já se consagrou como a maior feira de games da América Latina. A edição de 2016, que aconteceu em São Paulo (SP) entre 1º e 5 de setembro, mostrou um retrato do segmento no Brasil – pais que é o 5º mercado consumidor de jogos digitais, mas ainda engatinha na produção desses recursos. Entretanto, mostrou também diversas iniciativas que apontam para mudanças na formação de profissionais para o setor.

Entre os movimentos que se destacam, está o investimento de instituições de ensino na oferta de cursos de graduação e extensão diante da crescente demanda por uma carreira em jogos eletrônicos. Esse é o caso da Saga, empresa especializada em arte para games, que oferece cursos de extensão para iniciantes e iniciados. Para Jefferson Maurelli, gerente da empresa, o Brasil é um mercado em potencial: “Os jovens estão entendendo que o game não é só diversão, que eles podem fazer disso uma profissão. Uma área que estamos patrocinando aqui na BGS é o Brasil Game Cup, em que os jogadores têm um time, treinam e participam de campeonatos, inclusive internacionais. O Brasil é um mercado que cresce de uma forma muito interessante. Hoje temos uma procura muito grande pelos cursos de criação de games”.

A Saga oferece formação prática em diversas frentes ligadas a arte e games, como desenho e escultura, ensinando a aliar esses conhecimentos à mecânica dos jogos – além de ministrar cursos básicos de programação, para que os estudantes consigam tirar seus projetos do papel. “Trouxemos um aluno que tem uma empresa de desenvolvimento de jogos, a VR Vision, focada em realidade virtual, para mostrar seu produto na BGS. Ele desenvolveu um game utilizando as técnicas que apresentamos no curso e usa os Óculos Rift como tecnologia de realidade virtual, outro mercado também em expansão. Os alunos se sentem motivados para se unirem e criarem suas próprias empresas”, disse Maurelli.

Entre as instituições públicas, o Instituto Federal do Rio de Janeiro, em Engenheiro Paulo de Frontin (RJ), criou o primeiro curso de jogos digitais de uma instituição federal no país. A primeira turma vai se formar em meados de 2017. Durante os três anos de duração, o curso aborda quatro eixos: programação, arte (design e audiovisual), negócios e design de jogos. O professor Samuel Ribeiro explicou que o curso abrange todas as áreas de desenvolvimento de um jogo, tanto a parte de programação quanto a parte de design, modelagem 3D, composição de trilha sonora, efeitos sonoros, efeitos especiais, edição de vídeo, narrativa, construção de personagem e GDD (Game Design Document).

A estrutura do Instituto, acrescentou, é adequada para um curso de alta qualidade, com hardwares e softwares de ponta para o desenvolvimento do curso e programação em Unity. O Instituto faz parte de um projeto de interiorização do ensino e, segundo Samuel, “a própria cidade está se modificando para receber esses alunos. Estão surgindo oportunidades para aluguel, criação de repúblicas, o transporte já se modificou para passar na porta do instituto. Recebemos alunos de todas as partes do Brasil. Gente de Manaus, Porto Alegre, Santa Catarina, bastante de Minas Gerais, São Paulo, além do pessoal do Rio de Janeiro”. Outro professor da instituição,  Rodrigo Brito também destacou a estrutura do curso: “Claro que tem muita coisa para melhorar, mas temos tudo que precisamos, todas as ferramentas para dar uma boa aula de pintura digital, tecnologia de ponta, tem tudo lá. Tudo bem organizado”.

O Instituto levou para a BGS o projeto Os Gathas, criado pelos estudantes João Paulo Nascimento da Silvia, de 18 anos; Mateus Gonçalves Ribeiro, de 22 anos; e Luís Eduardo de Sás Zettel Araripe, de 18 anos. João Paulo, que queria muito fazer um curso na área de games, não se arrependeu: “O local é uma zona rural, com uma infraestrutura que pode melhorar, mas tem potencial para ser um polo digital, onde empresas se formarão, inclusive empresas dos próprios alunos”. Mateus reforçou: “Nós estamos vendo, com o crescimento da faculdade e das pessoas, um maior envolvimento das empresas. que estão analisando como está esse crescimento de jogos independentes no Brasil, uma área que eu me arrisquei e estou me sentindo muito bem por ter seguido”. Luís Eduardo, par quem o apoio da família foi muito importante, também comemora: “Meus pais estão fazendo um sacrifício enorme para eu estudar e estou gostando muito. O curso é recente, tem seus problemas, mas eu sinto que me encontrei lá, onde vejo gente que é apaixonada por jogos”.

Outra instituição pública que apresentou um jogo na BGS foi o Instituto Federal do Piauí. Criado no laboratório Labiras, o Crown Brawl foi um projeto aprovado pelo edital Pibic IT, do próprio Instituto. Felipe Rezende, de 20 anos, cursa análise e desenvolvimento de sistemas no instituto. Segundo ele, não há um curso específico de formação em jogos digitais no Instituto, mas o Labiras agrega pessoas de várias áreas, como computação, engenharia e arquitetura. O laboratório trabalhava com a área médica, de pesquisa e simulação, e, aos poucos, reuniu equipes multidisciplinares para o desenvolvimento de games para entretenimento. “Fazemos o evento Global Game Jam há três anos, um evento de 48 horas de desenvolvimento de jogos. Há três ou quatro anos, não havia essa cultura de desenvolver jogos em Teresina. Por isso, começamos a fazer esses eventos mesmo com pouco conhecimento técnico. Fomos aprendendo com o tempo e criando pequenos grupos. De um ano para cá ocorreu um crescimento significativo e apareceram vários grupos de desenvolvimento. No caso do nosso grupo, com o apoio do Instituto, conseguimos chegar aqui na BGS e lançar nosso jogo comercialmente”, contou o estudante.

Com o mercado em expansão, já é possível para muitos jovens pensar em seguir carreira em jogos digitais. Maurelli dá algumas dicas para eles. Primeiro, é importante procurar uma faculdade, ter curso superior. Uma segunda língua é sempre um complemento. O jovem, alertou o especialista, também precisa entender que em determinado momento ele foi um game; porém, com os estudos, ele começa a se tornar um desenvolvedor. Um dos maiores desafios da Saga, hoje, relatou o executivo, é fazer os jovens entenderem que trabalhar com algo de que gostamos é muito bom, mas nem sempre faremos somente o que gostamos. “É um grande desafio para a gente fazer com que o aluno entenda que ele é um produtor, e não vai criar somente o que gosta de jogar, mas tem que entender a demanda de mercado. A gente tem games na educação em várias áreas, por exemplo, se for Matemática, tem que estudar Matemática, um game para geografia, a mesma coisa. Então você precisa entender muito bem a demanda. Esse é um dos principais desafios”, disse.

O professor Britto ressaltou a multidisciplinaridade como característica do trabalho com games: “É bom entrar no curso para ter visão de todas as áreas. Não vamos cobrar que você seja especialista em concept art, você não precisa ser um especialista para desenhar, mas você vai ter um contato muito bom com gente que está preocupada em ensinar, porque, sabendo falar sobre desenho, poder até contratar o melhor desenhista para o seu projeto. Você não precisa ser o artista no final para isso, mas saber um pouco da área é importante para você ser o coordenador de um projeto, poder orientar esse outro artista a entrar também no mundo de design de jogos, que é também essa mistura multidisciplinar”.

Liliane Maria Santana, professora da rede particular e pesquisadora em formação de professores, games e educação.