Desde o final da década de 1980, acadêmicos no Brasil, articulados com o que vinha acontecendo em todo o mundo, desenham o que hoje é a internet. Sim, escrita com esse “i” minúsculo mesmo, pois a Internet com i maiúsculo foi a daquele começo, de uma época em que tínhamos que ir para a televisão explicar, entre outras coisas, onde ficava a tecla @ no teclado. Para o nosso grupo de pesquisa GEC, não tem mais sentido grafar internet com letra maiúscula por compreendermos que, nos dias de hoje, a rede mundial já se configura como um meio corriqueiro de acesso à informação – corriqueiro e praticamente indispensável, por isso, um direito fundamental. Compreendemos que Internet possa ser o nome desta rede de redes, mas da mesma forma que não escrevemos telefone, televisão, ou qualquer outro meio ou suporte, com as iniciais maiúsculas, não se justifica, portanto, nominá-la como substantivo próprio.
Da maiúscula de ontem, chegamos à internet nos totens públicos, telecentros, nos nossos tabuleiros digitais, celulares, e em tudo que é canto, a depender das políticas públicas de banda larga de cada país. E é uma enorme diferença daquela internet que conhecemos nos anos 1990, conectada basicamente com uma linha telefônica e um modem, fazendo aquele barulhinho típico que ficou na memória de alguns de nós, um tiquinho mais velhos. (Quem nunca ouviu ou quer relembrar, pode estimular sua memória auditiva com este vídeo que traz sons de outros artefatos que não usamos mais).
E por falar em memória, penso que esse começo da internet no país poderia ser melhor registrado. Já falei muito sobre a nossa falta de memória e creio que, apesar de já termos alguns trabalhos sobre a história da internet no país, ainda merecemos muito mais.
Um belo projeto da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) para construir uma linha do tempo da internet parece que, lamentavelmente, não teve prosseguimento, considerando que a página +20internet.br não abre mais. O projeto foi lançado na esteira da comemoração dos 20 anos do início da internet no Brasil, em 2012, nesse marco inicial que estava ligado à implantação da rede acadêmica e, logo, logo, seguido das organizações sociais que passaram a ter acesso, inicialmente, através do Ibase com o Alternex.
Esse trabalho contou com o esforço de muita gente, e desse esforço nasceram a RNP e o Comitê Gestor da Internet (CGI). O CGI vem fazendo um importante trabalho, considerado referência em todo o mundo, principalmente pela escrita do chamado Decálogo da Internet Brasileira, quando aprovou os “Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil”. A implantação da internet no país começou, então, com um projeto do MCT, em 1989, cujo coordenador-em-chefe era o dinâmico Tadao Takahashi. Alguns vídeos de eventos com depoimentos de histórias desse período podem ser encontrados na rede (este e este outro, por exemplo) e valem ser vistos, pois é um pedacinho dessa maravilhosa história.
Tenho dito e escrito em diversos lugares que o projeto da internet no Brasil é um belo exemplo de política pública bem-sucedida, uma vez que foi implantada no país a partir de um projeto do MCT com uma articulação absolutamente fenomenal com as universidades públicas, que não foram tratadas como meras executoras de tarefas a serviço do ministério ou do governo. Ao contrário, foram tratadas como parceiras do projeto e, com isso, efetivou-se uma rede de compartilhamento numa época em que pouco se falava sobre isso.
Neste mês de maio de 2015, comemora-se, mais uma vez, os 20 anos da internet. Mas, por que comemorar duas vezes os 20 anos da internet?
É simples: em 1992 aconteceu a Eco92, no Rio de Janeiro, e, para conectar todos os participantes, deu-se inicio à utilização mais intensa da rede, ainda somente no meio acadêmico e com as ONGs. Portanto, de fato, o “nascimento” da internet aqui no Brasil aconteceu em 1992, mas para um número ainda restrito de usuários.
Em 1º de março de 1995 a revista Veja publicou uma escandalosa capa com os dizeres “A rede planetária em que você ainda vai se plugar”, prenunciando que algo estava por vir.
Como relembra Hermano Vianna em sua extinta coluna n’O Globo (que falta fazem seus escritos semanais, meu caro!), ele havia recebido uma carta da Embratel, em maio de 1995, com o seguinte teor: “A Embratel tem a satisfação de disponibilizar para V. Sa. o acesso à Internet na modalidade IP discado”. E isso, explica ele, “era um ‘projeto piloto’ e apresentava dois números de telefone, um para velocidades de acesso até 14.4 kbps e o outro para 28.8 kbps”.
Hermano explica, para fins de comparação, que “1 Mega de banda larga é quase 35 vezes mais veloz que 28.8 kbps, isso sem contar os perrengues com ruídos nas linhas telefônicas de 20 anos atrás.” Pois é, mesmo com essas ridículas velocidades, a internet, literalmente, ganhou o mundo. Começou a se expandir através de conexões com o tal barulhinho do modem e, como parte da estratégia montada desde o início de 1995, o tema ganhou notoriedade. Lembro de Tadao contando ter dado consultoria a Glória Perez, autora da novela Explode Coração, da Rede Globo, que promovia o relacionamento de Dara, uma cigana, e Júlio, um empresário, através dos teclados dos computadores. Era uma forma de apresentar a rede para a sociedade, no meio do folhetim. Explode coração! (deu saudade? clique aqui)
Não tenho espaço para falar aqui sobre o processo de implantação aqui na Bahia, mas contei um pouquinho dessa história numa entrevista que, creio, seja uma pequena contribuição para estas festas de aniversário.
Ao longo dos anos 90 do século passado, o acesso foi sendo ampliado a cada dia, constituindo-se, mesmo com aquelas baixas velocidade para os dias de hoje, no embrião da explosão da internet, que agora em maio faz 20 anos pela segunda vez. É ótimo comemorar aniversário, melhor ainda se o fazemos duas vezes. Afinal, essa rede, de fato, transformou radicalmente o nosso cotidiano.
Nelson Pretto é professor Titular (e ativista) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Secretário Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC – Bahia). Membro da Academia de Ciência da Bahia. Foi diretor da Faculdade de Educação da UFBA (2000 a 2008).