tic-kids-aredeeducaA escola continua um passo atrás em relação à realidade cotidiana dos estudantes. Essa foi uma das constatações da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2014, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), divulgada em julho deste ano. Os números não deixam dúvidas: apesar de 81% das crianças acessarem a internet todos os dias, ou quase todos os dias, e de 68% terem utilizado a rede para trabalhos escolares no mês que antecedeu a pesquisa, apenas 33% navegam na internet durante o período escolar. Ou seja, a rede mundial de computadores ainda não faz parte da dinâmica ou das metodologias de ensino. E, quando faz, o uso dos recursos digitais ainda é bastante limitado.

Para Edvaldo Couto, coordenador do grupo de pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologia da Universidade Federal da Bahia, o gargalo da conexão ainda é o principal obstáculo: “A internet ainda não chega à maioria das escolas brasileiras, sobretudo as públicas. Quando chega, o sinal é muito ruim. A conexão é sempre problemática”.

Outro fator que explica o baixo uso dos recursos digitais nas escolas é a falta de preparo dos professores. “Normalmente, os professores, técnicos e gestores não são formados para estruturar os processos de ensino e aprendizagem com e por meio da internet. A maioria das ações não são integradas, mas casos isolados, com poucos alunos, fechados em laboratórios, durante uma horinha ou outra”, explica Couto.

A pesquisa também apontou que as crianças usam a internet predominantemente para redes sociais. Apenas 32% dos entrevistados declararam ler ou ver notícias na web. Um porcentual ainda menor, apenas 12%, postaram em um blog ou em alguma página – dado considerado alarmante entre especialistas de tecnologia e educação.

O baixíssimo índice de produção para a web está ligado à cultura digital predominante entre os jovens, lembra Carlos Sanches, consultor em tecnologia educacional. “Para muito jovens, navegar na internet significa, basicamente, utilizar as redes sociais e aplicativos de jogos ou entretenimento. É, portanto, um uso extremamente limitado diante do tamanho e do potencial da rede​”, avalia Sanches.

O simples consumo de informações na web é um problema, na avaliação de Couto, da UFBA. “Não teremos sujeitos ou cidadãos inseridos na cultura digital se as práticas forem de consumir as informações que outros produziram. Essa preguiça intelectual não pode continuar existindo nas escolas”, alerta o educador.

Professores e alunos, diz Couto, postam pouco porque ainda não se reconhecem com autores de conteúdo. A escola, por sua vez, ao reconhecer como conhecimento válido apenas os autores de livros e apostilas, reforça esse padrão de comportamento – que, ao contrário, precisaria ser revertido. O professor ressalta: “Na cultura digital, todos são produtores e consumidores ao mesmo tempo. É preciso incentivar que todos criem, postem, compartilhem seus saberes e experiências. O curioso é que muitos professores e alunos são autores em seus perfis em redes sociais digitais”.

Estimular a produção de conteúdo, nos diversos suportes disponíveis, é fundamental para formar cidadãos críticos, ainda mais quando as bolhas digitais se tornam tão relevantes na distribuição da informação. “Às vezes ficamos muito acríticos sobre as informações que recebemos, especialmente quando temos o efeito bolha. A escola poderia ajudar nesse processo e encorajar os alunos a criar conteúdo e formar um pensamento crítico. Isso é essencial para pensar em cidadania digital e não apenas consumo de informação”, reafirma Bruno Bioni, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Bioni lembra que o Artigo 26 do Marco Civil da Internet estabelece que “o cumprimento do dever constitucional do Estado na prestação da educação, em todos os níveis de ensino, inclui a capacitação, integrada a outras práticas educacionais, para o uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta para o exercício da cidadania, a promoção da cultura e o desenvolvimento tecnológico”.

Para a tecnologia ser aplicada à educação com mais criatividade e eficácia, no entanto, a escola precisa esquecer o modelo de educação centrada no professor, diz Couto. Na cultura digital, em rede, todos dialogam com todos. “O professor que pesquisa junto com os alunos tem a função de ser um coordenador das atividades, um orientador do levantamento de dados. Mas todos devem trilhar caminhos livres de buscas e descobertas”, explica ele.

Esse diálogo entre professores e estudantes no âmbito da tecnologia também precisa avançar. Na TIC Kids, apenas 53% dos estudantes já receberam explicações de professores sobre por que alguns sites são bons e outros ruins; apenas 52% receberam sugestões de professores sobre como utilizar a internet. “A formação e a consciência de parte dos professores deixa a desejar. Muitas vezes, não por culpa deles, mas por conta de uma formação que eles não têm, por motivos diversos”, aponta Sanches.

A limitação no uso da rede também pode ocorrer pelo tipo de hardware disponível nas instituições de ensino. Segundo a pesquisa, 82% acessam a rede pelo celular, enquanto 56% utilizam o computador de mesa. Os dispositivos móveis são atraentes e funcionais ao permitir mais interatividade em tempo real e por não ter limites de tempo e espaço para ser utilizados. Mas, para trabalhar com conteúdos mais complexos e utilizando recursos mais robustos – até por conta do tamanho da tela – o dispositivo móvel pode não ser a melhor opção.

Para o pesquisador do Gpopai, está na hora do estado brasileiro considerar o ensino de programação nas escolas. “Além da educação para a internet, poderíamos começar a pensar em ensino de programação. Porque é que estará a nova forma de exclusão digital”, diz Bioni.

Aqui, a íntegra da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2014