portal-arede-educa-Aprender-assim-e-brincadeira-especial-robotica-06A perfeita combinação entre tecnologia e educação está colocando a robótica em foco nas escolas públicas e particulares brasileiras. Quase virando moda, os cursos extraclasse, as oficinas e atividades opcionais de robótica começam a pipocar nas instituições de ensino. Algumas, mais arrojadas, já incluíram esse conteúdo nos currículos regulares. Não é para menos. A “brincadeira” de inventar, montar e movimentar um robozinho faz verdadeiras mágicas. Envolve e motiva os alunos, exercita o raciocínio lógico, propicia o trabalho colaborativo, promove a interdisciplinaridade, para citar só alguns, entre uma infinidade de ganhos pedagógicos.

E vai muito além disso. Divertindo-se com kits programáveis, softwares, protoboards, fios, sensores, placas, motores, sucatas, esta geração de estudantes nem desconfia, mas dá início a uma virada importante para o futuro. Ao se interessar pelo estudo de programação, essa meninada prepara o terreno para que o país passe de mercado predominantemente consumidor de tecnologia a potencial desenvolvedor de inovação. Saber programar é ter autonomia tecnológica. “Estamos vivendo tempos do movimento maker: faça-você-mesmo (em inglês, do-it-yourself)”, aponta Walquíria Castelo Branco, coordenadora do Centro de Estudos de Sistemas Avançados do Recife (Cesar).

De imediato, porém, os frutos estão brotando mesmo é nos bancos escolares. “A nova escola, que já está sendo erguida, é a que vai desafiar o aluno e, de forma lúdica, divertida e mais inteligente, motivá-lo a encontrar suas próprias respostas para desafios propostos, chegando aos resultados de forma colaborativa, em equipe, compartilhando conhecimento com colegas e professores”, afirma o professor de robótica Fernando Machado Moreira, coordenador do setor de Tecnologia Aplicada à Educação da prefeitura de Santo Amaro (Bahia). “A robótica vem ao encontro da necessidade dessa nova escola e de uma nova sociedade onde o aluno será mais autor e não apenas memorizador de conteúdo”, ressalta. Moreira mantém um blog onde divulga projetos de robótica e orientações sobre como levar os robôs para as salas de aula e para os laboratórios escolares.

A rede municipal de ensino de Recife (PE) já descobriu esse potencial. Criou, no início de 2014, o Programa Robótica nas Escolas. “Alunos que tinham desempenho escolar ruim, a partir do contato com os robôs, melhoraram o rendimento em diversas disciplinas e tiraram notas mais altas. Esse resultado foi registrado em todos os níveis do ensino básico – infantil, fundamental, médio e especial”, comemora o secretário-executivo de Tecnologia da Educação do município, Francisco Luiz dos Santos.

A Escola Municipal Maria Sampaio Lucena,de período integral, é uma das 306 unidades da rede. Em 2014, ficou em 2º lugar na avaliação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da cidade. A diretora, Diana Dayse Lima de Souza, na gestão há oito anos, atribui a boa colocação à introdução da robótica no cotidiano das crianças. “Estamos conseguindo transformar o ambiente aqui do Lucena. Com a robótica, os alunos estão mais estimulados a estudar, a criar e resolvem os desafios de forma mais autônoma. A escrita, a leitura, a linguagem, a memória e o raciocínio melhoraram visivelmente”, ressalta.

Ela conta que também a evasão diminuiu, desde que a escola aderiu ao Programa Mais Educação, do Ministério da Educação, optando pela modalidade Escola Aberta. Esse programa prevê oficinas de estudo e laboratórios como o de robótica, onde os estudantes trabalham com kits proprietários da Lego e também material de sucata e tecnologias livres, como a placa Arduíno. Os alunos da Lucena também ganharam tablets, que podem levar para casa. “Os pais confiam seus filhos para ficarem em tempo integral na instituição e a escola motiva os familiares a acompanharem mais os meninos e meninas”, diz Diana.

Professor valorizado

portal-arede-educa-Aprender-assim-e-brincadeira-especial-robotica-02No entanto, não só o estudante é favorecido com a prática da robótica. O novo papel do professor ganha contornos ainda mais definidos nos ambientes de robótica. “Nossos professores, 35 ao todo, também estão muito entusiasmados”, relata a diretora. A educadora Roseli de Deus Lopes, professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), avalia que esse tipo de atividade pedagógica valoriza ainda mais o professor como condutor e facilitador das práticas de aprendizagem. “Presenciamos experiências importantes na troca de conhecimento entre professores e alunos durante os eventos Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) e a Mostra Paulista de Ciências e Engenharia (MOP), promovidos pelo Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI), da Poli”, afirma.

Ela alerta para o fato de que “tudo está sendo construído, nessa área, no país”. E dá a dica: a internet é um bom campo de pesquisa para as novas formas de ensinar utilizando a robótica. “Há bons tutoriais de fabricantes e representantes de desenvolvedores de kits da área, com vídeos no YouTube e consultores e técnicos do governo e particulares especialistas que podem auxiliar o professor, o coordenador pedagógico e o gestor a entender do assunto”, ressalta.

Um grande desafio a ser enfrentado, dizem os especialistas, é o medo de perder o controle da classe ou a autoridade em sala de aula. “A maioria dos professores, formados pela escola tradicional de massa, tinha como premissa ser o gerador de conteúdo e a única fonte de conhecimento disponível para o aluno”, afirma Walquíria, do Cesar. Essa realidade mudou. “Agora o docente é um participante do processo, como mediador, contribuindo com seu conhecimento e aprendendo junto na construção de novos conteúdos”, acrescenta a consultora.

A metodologia de trabalho nas atividades com robótica implica a construção do saber, explica Ana Paula Almeida, diretora do Colégio Santa Mônica, em Mogi das Cruzes (SP). “Nada mais é do que o exercício do conceito de educação construtivista, criado por Piaget e defendido por Paulo Freire. Isto é, pensar no problema, afunilar aquela questão e ir ao encontro de resultados pela prática”, esclarece ela.

No Santa Mônica, alunos de 7 a 14 anos frequentam as oficinas de robótica oferecidas no contra turno do período regular. Enquanto aprendem, eles colocam as engrenagens – mentais e físicas – pra funcionar. Já fizeram carrinhos de corrida, macaquinhos que se penduram em uma corda, um mini portão eletrônico, uma caveira que acende com comando de voz, cachorrinhos estilizados que competem em um tipo de ringue por uma bexiga. Com duas unidades que abrigam 600 alunos, do ensino infantil ao médio, o Santa Mônica promove, todos os anos, a Mostra de Ciência. Em 2015, acontecerá também a Mostra de Robótica, dado o interesse dos alunos pelo tema.

Multidisciplinaridade

portal-arede-educa-Aprender-assim-e-brincadeira-especial-robotica-03Outro benefício educacional da robótica é que – apesar da base de conhecimentos dos conteúdos estar na área das ciências exatas – pode-se abordar diversas disciplinas nos projetos. Um exemplo bastante rico pode ser conferido no Colégio Anchieta, em Salvador (BA), onde a robótica entra para o currículo a partir do 6º ano do fundamental e vai até o 3º do médio. Além das aulas regulares, a moçada pode participar do Clube de Robótica, no contra turno. Um dos projetos em andamento que contempla várias matérias é a construção de um robô que simule o comportamento de um inseto. Na disciplina de produção de texto os alunos vão pesquisar as características dos insetos e fazer a interpretação das informações. Na de ciências, vão tratar de compreender esse mundo e diferenciar quem faz ou não parte dele. Na de artes plásticas, vão elaborar o desenho da carcaça do robô-inseto.

O Anchieta trabalha com kits da Lego NXT, que podem ser combinados com materiais recicláveis em alguns casos, segundo o professor Hernani Marques de Castro Borges. “Na iniciação ao raciocínio lógico, é utilizado o SuperLogo, software livre desenvolvido pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied, da Unicamp), e que é baseado na linguagem Logo”. Na programação, o Robolab utiliza uma linguagem icônica, pela qual o aluno combina blocos de comandos para representar as funções necessárias ao comando dos robôs.

Em instituições onde a presença da tecnologia é intensa, a robótica já extrapola a condição de disciplina e permeia múltiplas atividades. Esse é o caso, por exemplo, do colégio paulistano Dante Alighieri, onde há dois Centros de Processamento de Dados e conexão de 10 Gbps. A escola criou o Grupo de Estudos Experimentais em Tecnologia (GEETec), onde os alunos fazem projetos como a Casa Inteligente, que utiliza a placa Raspberry Pi. Gabriel Flegner Leite, do 2º ano do médio, é um dos integrantes do GEETec: “Um aprendizado que vou levar pra vida toda é a importância do trabalho em grupo. Era meu maior desafio, e a satisfação foi grande quando consegui superar esse problema. Hoje sou chefe de desenvolvimento aqui do GEETec, ensino meus colegas mais novos”.

Ana Carolina Paixão Queiroz, também do 2º ano do médio, é chefe de pesquisa do GEETec e adora robótica: “Estou desenvolvendo, junto com minha equipe, uma pesquisa para o desafio do FFL-Word Classe do ano 2014/2015, que propõe soluções inovadoras para o ensino”. Nesta edição do campeonato mundial, o tema é “Como podemos coletar conhecimentos e habilidades no século 21?”. As equipes vão ensinar os adultos sobre as maneiras que as crianças precisam e querem aprender.

No laboratório de robótica, os alunos dos grupos de estudo GEETec e NIDe (Núcleo Interdisciplinar de Desenvolvimento) fazem as aulas extracurriculares mas, frequentemente, estão fazendo projetos propostos pelos professores de Tecnologia e Robótica ou construindo coisas poara os inúmeros eventos de que participam ao longo do ano. Muitos desses eventos são promovidos pela própria instituição ,como o Dante Digital, o Dante Robotec, a Olimpíada Danteana de Robótica e a Feira de Ciência, sem falar nos internacionais como o campeonato First Lego League (FLL). “Estamos aqui como facilitadores do conhecimento, auxiliando os alunos a desenvolver o raciocínio lógico, o espírito colaborativo e o compartilhamento de dados”, diz Tânia Cristina Pereira Luciano, professora de robótica do Dante.

A Escola Bakhita, na cidade de São Paulo, vai implementar o estudo de programação para as turmas do ensino fundamental. “Uma aula será voltada para a produção digital como ferramenta de expressão, fotografia e filmagem, edição de fotos, áudio e vídeo. A outra será voltada para a apropriação e produção de tecnologia, circuitos elétricos, conceitos de engenharia e programação”, afirma o professor de tecnologia e robótica, Rafael dos Santos Martins. Adepta do conceito Stem, que integra os conhecimentos de ciências, tecnologia, engenharia e matemática, a escola oferece oficinas de robótica e desenvolve projetos em várias disciplinas, utilizando as plataformas Arduíno e o computador educacional Raspberrry Pi.