Por Luciana Vicária

Há, sem dúvida, louváveis exceções. Porém, na maior parte do território brasileiro, há anos (séculos?) o modelo educacional apresenta uma letargia crônica diante das transformações estruturais incansavelmente debatidas nas esferas pensantes governamentais e acadêmicas. Até que enfim, esse quadro está mudando. Graças à disseminação das tecnologias da informação e da comunicação (TICs), a monolítica Educação começar a dar sinais de vitalidade. E não apenas porque os gestores de instituições de ensino – sejam públicas ou privadas – tenham sido obrigados, pelas políticas públicas ou pelo mercado, a equipar suas escolas.

O maior impacto está vindo debaixo. Das mãos dos próprios estudantes e educadores, que passaram a viver suas vidas conectados o tempo todo, integrando redes e compartilhando ideias, músicas, imagens, jogos, piadas e não importa o que mais for. Já está impossível barrar esse intenso fluxo de interação na porta da sala de aula. Seja por meio dos professores, ou dos alunos, a tecnologia se impõe como ferramenta capaz de impulsionar a aprendizagem.

De olho nessa promissora perspectiva, as startups – empresas novas e com agilidade capaz de experimentar e criar tendências – investem com força no universo educacional. Lideradas por jovens empreendedores, desenvolvem soluções praticamente na velocidade de um clique. Em alguns meses, a ideia se torna projeto, que se torna produto, que se torna lucro. Estima-se que existam pelo menos 10 mil empresas com esse perfil no país. Movimentam mais de R$ 2,5 bilhões, de acordo com os maiores grupos do mercado, e avançam sobre todas as áreas, do agronegócio ao setor automotivo.

Na educação, lançam produtos diversificados: jogos online, buscadores voltados a crianças, ambientes digitais para cursos online, entre tantas outras aplicações. A ideia, muitas vezes, surge de uma experiência pessoal. O empresário mineiro Samir Iasbeck, de 33 anos, lembra que não gostava de ler ou fazer anotações durante a aula: “Era muito difícil pra mim. Eu precisava de outro jeito de aprender”. Essa foi uma boa motivação para ele criar a startup Qranio, responsável por uma plataforma de jogos online educativos para pessoas que, como ele, precisam que o aprendizado seja lúdico e gere engajamento.

A Qranio recompensa com prêmios reais o bom desempenho dos usuários. Já distribuiu milhares de entradas de cinema, cupons de compra em lojas virtuais, ingressos para parques temáticos e até videogames de última geração. A startup chegou como um meteoro no mercado. Em menos de três anos reuniu mais de um milhão de usuários de 150 países. Mais de 20 milhões de questões foram resolvidas. “Trabalho para que meus jogos se tornem tão atraentes quanto o Candy Crush”, diz Iasbeck, referindo-se a um dos jogos mais baixados do mundo em tablets e celulares.

Resolver um problema pessoal também foi o que levou Érica Hoeveler, de 31 anos, a largar o trabalho como trainee em uma grande empresa do mercado financeiro para criar um ambiente online de aulas particulares. “Sempre que eu precisava de um reforço, de uma ajuda, não tinha a quem recorrer sem me deslocar”, conta. Foi assim que nasceu o “Professores de Plantão”, uma sala de aula virtual em que alunos são atendidos por estudantes universitários. Em pouco tempo, a ferramenta se popularizou pela internet. “Os alunos compram pacotes de minutos e agendam um horário com o professor, que pode estar em qualquer lugar do mundo”, explica ela. São cinco mil professores atuantes e 15 mil alunos cadastrados na plataforma.

A educação a distância (EAD) é outro grande filão para as startups, como ressalta o paranaense Nilson Filatieri, de 29 anos. Ele desenvolveu um ambiente virtual para cursos online, o EAD Box, onde professores, empresários e consultores se comunicam compartilhando vídeos, anexando arquivos eletrônicos e mobilizando grandes grupos em videoconferências. O diferencial: a ferramenta é simples, não demanda uma equipe de especialistas em tecnologia da informação para funcionar. A EAD Box reúne, atualmente, 95 clientes e cerca de 60 mil usuários.

Mas nem todas as histórias são 100% de sucesso, como os jogos de Iasbeck, os professores online de Érica ou os cursos a distância de Filtieri. A paulistana Natalia Andreoli Monteiro, de 29 anos, criou um buscador online para crianças que filtra conteúdo pornográfico e palavras impróprias para a idade. O mercado adorou a ferramenta, mas não se dispôs a pagar por isso. Pelo menos 10 mil usuários de escolas usam o Zuggi, mas gratuitamente. “Cheguei a visitar escolas, a acompanhar a navegação, tive consultorias, mas não concebi o projeto como educadora, e acho que isso teve impacto no resultado”, avalia. Natália agora está prestes a se formar mestre em educação para empreender pela segunda vez. O projeto está em “gestação”, segundo ela. O objetivo é alfabetizar crianças sem lápis nem papel, mas com mouse, teclado e monitor.

O conhecimento técnico da ferramenta, sem uma visão profunda do setor e do mercado é um erro recorrente entre os empreendedores, afirmam os especialistas. É nesse cenário que surgem profissionais especializados em amadurecer boas ideias de jovens empreendedores, e transformá-las, rapidamente, em modelos de negócio rentáveis. São as aceleradoras de startups: grupos de empresários experientes que oferecem espaço físico, consultoria e recursos financeiros em troca de uma parcela do novo negócio. “Com o apoio da aceleradora, as ideias são testadas, corrigidas e readequadas ao mercado”, afirma Carlos Pessoa, da Wayra Brasil, aceleradora do grupo Telefônica, que já apoiou 41 startups.

O apoio financeiro a negócios de alto risco, em estágio embrionário, ainda é raro no país, segundo o empresário Maurício Untino, sócio da aceleradora gaúcha Starte Me: “São poucos os investidores dispostos a assumir o risco”. O investimento, é verdade, pode ser um tiro n’água. Mas, quando dá certo, o retorno chega a ser astronômico. Untino ainda mantém contrato com todas as startups que acelerou, um sinal claro de que as apostas foram certeiras, e de que as novas empresas de tecnologia estão evoluindo.

O universo educacional tem uma resistência maior à tecnologia, na opinião da professora Cristina Castro Lucas, coordenadora de extensão do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília. “Aos poucos, as startups estão se apropriando de espaços antes intocáveis da educação tradicional”, aponta Cristina. De acordo com ela, o movimento avança e acrescenta novas ferramentas de trabalho a professores e alunos. “Essas ferramentas vieram para abrir caminhos, testar novos processos, gerar um movimento de evolução e de inclusão”, reflete.

Como ser “acelerado”
Para ser acelerado, é preciso submeter-se a um processo seletivo acirrado. A concorrência chega a ser de 50 candidatos por vaga. Em geral, a aceleradora publica um edital com as regras do concurso e os inscritos, além de apresentar seus projetos, têm de convencer a banca de investidores de que seu negócio vale a pena. As aceleradoras, por sua vez, avaliam não só o potencial do novo negócio, como também o perfil dos empreendedores. “Boas ideias existem aos montes, mas são raros os empreendedores que sabem escutar o mercado e embalá-las de sob medida”, segundo Untino, da Starte Me. Há dois termos empresariais, bastante usados pelos investidores, que dão ideia da receita do sucesso. Para o negócio dar certo, é preciso, muitas vezes, “pivotar”, que significa redirecionar a empresa e rever os processos. Também é necessário um “capital semente”, que muitas vezes vem das mãos de um “investidor anjo”, aquele aporte inicial pequeno feito por um investidos de alto risco.