Fazer uma coluna cujo tema é PARTICIPAR, impactada pelo que vi nas ruas dias 13 e 15 de março deste ano é, no mínimo, desafiador. O motivo da minha preocupação é se todos estamos entendendo de que ponto da vida coletiva nesse mundo estamos falando.
Muitos entre nós não viveram os tempos da ditadura militar e dos limites que impôs para toda a população, para todo o país. E, não, não foram só os torturados e mortos que foram “contrariados”. Um sistema de governo impõe regras para toda a sociedade cumprir. Na ditadura, a maioria só cumpre as regras, mas não incide de forma alguma nos processos de elaboração e decisão.
O tempo que estamos construindo nas ruas não é mais o de poucos receberem privilégios e decidirem por todos nós. Se a maioria que surge em cada processo decisório não for respeitada, estaremos recuando, recuando até tomarem a Democracia de nós.
Aprendi, ao longo da minha vida inquieta e indagativa, que DEMOCRACIA só se aprende praticando. Democracia não pode ser tratada como se fosse distante, é a quimera que deixou de ser impossível e foi conquistada por todos e todas. Tanto no dia 13 quanto no dia 15 de março, tínhamos descontentes com o governo; e tanto no dia 13 quanto no 15 tínhamos democratas convictos.
Não topo tratar essas questões com ódio e intolerância presente em todos os lados.
Topo enfrentar, às claras, disputar narrativas, mas também avançar sempre na nossa lida cotidiana.
Prefiro estar nas ruas do que conspirando às escondidas.
Cada um de nós deve olhar para os território em que transita e verificar o “quanto” de democracia existe em cada um.
Democracia se pratica! Se na nossa intimidade familiar, nas nossas escolas, onde trabalhamos, militamos, vivemos e amamos, não estivermos acostumados à tolerância, ao debate, a responsabilidades divididas e decisões compartilhadas, não temos Democracia incorporada às nossas vivências. E daí pra ser usado e ir parar na trincheira alheia, é um passo.
A escola risonha e franca, só assim será se o aluno, de qualquer idade, puder opinar, interferir e participar de um coletivo de educandos e educadores que constroem juntos todos os percursos.
Uma educação plural, aberta ao debate, com pautas demandadas por todos os envolvidos no processo de formação, que busca novas ideias e discute os contraditórios, que se aproprie de informações que venham de fontes diversificadas, que permita a construção de um olhar crítico sobre a realidade e a liberdade individual de construir a própria formação só se realiza em um ambiente democrático. Só se realiza se essa escola estiver num país com democracia consolidada.
E como disputar narrativas com o monopólio das comunicações que temos hoje? Pensar em 1984 de George Orwell, que apresenta um futuro aterrador, que hoje se mostrou quase brincadeira de criança?
Defendi, defendo e defenderei a Democracia com unhas, dentes, coração e mente. E além de nós, que estamos nas ruas e nas redes, cada vez mais um território único em disputa cotidiana, também o governo precisa vir apresentar soluções, um projeto renovado para o país. Essa é a chave. Todos e todas precisam de um governo que jogue claro com a população, aponte os sacrifícios, mas diga para que eles servirão, o que alcançaremos. Que assuma as próprias responsabilidades e mostre claramente as responsabilidades do Legislativo e dos outros poderes e instituições. O enfrentamento democrático não pode ser evitado, não temos que nos recolher, mas, se o governo não vier disputar, vamos deixar a bandeira da Democracia e a campanha contra a corrupção, que sempre esteve no campo democrático e popular, em outras mãos.
Democracia tem que servir quando se ganha e quando se perde uma disputa.
DEMOCRACIA TEM QUE VALER SEMPRE!
Construir com todos e todas que caminhos o nosso país deve seguir é a razão de votar, de ir pras ruas, de exigir nossos direitos, de lutar ou de amar nossos queridos e queridas. Construir e perceber juntos quando está na hora da nossa Democracia mudar. Temos que nos acostumar a viver intensa e democraticamente.
Não vale mais confundir paciência de ouvir com participação. Isso não, já dizia nosso amigo e colunista Nelson Pretto. Temos que construir um novo patamar de concordâncias e um novo pacto de enfrentamento num país com liberdades democráticas e condenar todas, todas as práticas que nos empurram para o gueto.
Aí, sim. Agora é a hora de construir a reforma política que queremos, de acabar com o monopólio de conglomerados sobre as comunicações do país, diversificar visões, explorar convivências e novas formas de nos organizarmos e de fazer articulações. Entender tudo isso e dar o próximo passo.
Já falei em alguns debates que as democracias diretas, as democracias participativas, devem ser superadas por construções que apontem para a Democracia Interativa, onde, para além de escolher entre projetos e propostas que já se apresentaram prontos para a escolha, o cidadão possa propor, interferir, participar do processo decisório. Também temos que nos acostumar com isso e construir as pontes tecnológicas e democráticas entre mundos reais e possíveis.
Mas, isso é conversa pra outra coluna.
Fico no que por enquanto é inegável: para que a Democracia funcione plenamente, a mídia tem que ser democratizada, assim como o acesso às tecnologias de comunicação e informação deve ser universalizado. Por enquanto, o que sei é a que a história tem dois lados e que o meu lado nesta história que estamos escrevendo nas redes e nas ruas é o da democracia sempre!
Vale misturar firmeza, humildade e convicção com uma boa dose de alegria e animação. Temos que fazer o bom combate e garantir que DEMOCRACIA NÃO ACABE NUNCA MAIS!
Beá Tibiriçá é “artivista”, diretora do Coletivo Digital e militante da inclusão digital, cultura livre e software livre.