Sabe aquele momento em que alguém tira um véu dos seus olhos e você: noooossa… eu não tinha pensado nisso! Passei por esse aprendizado dez anos atrás, numa entrevista na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, logo que cheguei na revista ARede. O papo era computador nas escolas. Falávamos de uma comunidade distante, pobre, símbolo mais que perfeito da chamada “exclusão digital”.

Lá pras tantas, eu, consternada, saco um comentário do fundo do coração: “Eles [o tom era de ‘eles, os coitadinhos’] não têm banheiro com esgoto, não têm serviços básicos… como gastar dinheiro com computador?”.

O professor à minha frente revida com um tiro de sinalizador, que deixa tudo claro pra mim: “Eu prefiro que eles tenham computador do que esgoto. Se receberem esgoto, eles terão esgoto. Se receberem computador, eles podem ter esgoto, calçamento, posto de saúde e tudo o mais que eles forem precisando”.

Aí que eu entendi o que os especialistas queriam dizer com “internet como um direito fundamental humano”. De lá pra cá, aprendi ainda que não basta ter internet na escola. Precisa ter internet que funcione. E que funcione para acesso simultâneo de 40 neguinhos, que é um número de turma comum na maioria das escolas públicas. E que aguente uma navegação compatível com a vida “real” dessa moçada – ouvir música, assistir vídeo, baixar games, agitar nas redes sociais…

Porque a internet, ninguém duvida, é o principal instrumento dos professores para que promovam o “salvamento” da escola. Não dá mais para aqueles 45 minutos de aula serem tão chatos e – literalmente – tão desconectados do mundo de verdade lá fora!

Os programas do governo no sentido de garantir esse resgate não estão sendo de todo efetivos, mas têm tido algum sucesso. No cestinho das bolas dentro, está o Marco Civil da Internet. Sem mais delongas… apenas a legislação mais avançada do planeta, que tornou lei a neutralidade da rede.

A neutralidade é o direito que todos têm a condições iguais de navegação (com algumas exceções técnicas). Trata-se de uma das maiores conquistas dos educadores e dos educandos em muitos anos. Pois a neutralidade garante que a escolinha onde não tem banheiro com esgoto tenha o mesmo direito de navegar na rede que a multinacional instalada de outro lado do rio.

Só por isso, tem de ser defendida de mouse em punho! Semana passada, a presidente Dilma Rousseff começou a confabular com o dono do Facebook, Mark Zuckberg, sobre algumas possibilidades de parcerias, com ações positivas e sociais. Parece uma coisa bem legal. Só que, dependendo do que eles combinarem, a neutralidade de rede corre risco. Por quê? Aqui vai uma explicação simplificada [para entender melhor, leia o artigo de Sérgio Amadeu, no Brasil Post: o Facebook tem operado uma prática comercial chamada de zero rating, que consiste em oferecer acesso gratuito a certos conteúdos e aplicativos da sua rede social. Gratuitos, pero no mucho. Zuckberg paga essa conta dos usuários às operadoras de telefonia.

Como bem explica o Sergio Amadeu, “o acordo da presidenta Dilma Rousseff com o Facebook, se implicar na prática do zero rating, viola o artigo 14 do Marco Civil, além de colocar em risco a neutralidade de rede e privilegiar a concentração de tráfego da internet em uma empresa que colabora com o sistema de espionagem massiva da NSA”.

Por isso, militantes da internet livre estão chamando atenção para essas negociações e se mobilizando em defesa da internet livre. Em defesa – aqui pra nós, que estamos com foco na educação – do acesso livre ao conhecimento e do direito de fazer da escola um lugar onde a garotada não vê a hora de chegar; e não, como acontece hoje, um lugar de onde eles não veem a hora de ir embora!

A gente tá de olho e engrossa essa vigilância. Porque a gente não quer esgoto, a gente quer internet livre, para a educação conseguir sair do esgoto!

Aurea Lopes é editora-executiva do portal ARede Educa, apaixonada por educação e um dia ainda vai se tornar professora!